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Sustentabilidade ambiental é uma necessidade, não uma moda

Entrevistas

2019-07-27 às 06h00

José Paulo Silva José Paulo Silva

Eleita em 18 de Julho presidente do Núcleo Regional de Braga da Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza, a arquitecta Aline Guerreiro promete uma “renovação absoluta” no mandato que cumpre até 2021. Em entrevista ao Correio do Minho e Rádio Antena Minho, esta especialista em construção sustentável explica o propósito da luta “por uma Braga mais verde onde o eco fará eco”. Aline Guerreiro considera que o crescimento actual de Braga acarreta problemas ambientais que importa enfrentar, apesar de considerar positiva a reabilitação urbana que ocorre na centro histórico da cidade. A nova presidente da Quercus defende mais “activismo ambiental”, até porque “a sustentabilidade é uma necessidade, não é uma moda”.

Citação

P - Candidatou-se com o propósito de fazer uma renovação profunda do Núcleo Regional de Braga da Quercus, uma associação fundada em Braga em 1985. Isso pode ser uma motivação extra para o seu mandato?
R - Sim, poderá ser, até porque Braga é uma cidade que está a crescer muito e que tem muitas questões ambientais por resolver e por estudar. Pensamos que seria bom haver uma renovação deste Núcleo, que tinha uma direcção com os mesmos dirigentes há mais de 23 anos. Achamos que uma renovação completa poderá trazer uma nova vida a este Núcleo da Quercus e que pode lembrar que a associação está nasceu aqui e está muito viva para abordar as questões ambientais.

P - A nova direcção do Núcleo tem como lema ‘Por uma Braga mais verde onde o eco fará eco’. Há aqui um trocadilho entre a ecologia e a necessidade de tornar o vosso trabalho mais visível?
R - Mais visível para que as pessoas saibam que a Quercus tem um Núcleo presente e activo em Braga, que irá acompanhar as decisões que são tomadas em termos ambientais, as pré e as pós decisões. Também perceber quais são as necessidades dos cidadãos e o que eles esperam em termos ambientais. A sustentabilidade não é uma moda, é uma necessidade. Todos nós necessitamos de crescer e de nos desenvolvermos de uma forma mais sustentável. Braga está a crescer a olhos vistos. Eu estive fora de Braga durante muitos anos. Quando voltei, notei uma diferença muito grande na cidade. Acho que se tem de ter em atenção esse desenvolvimento, de maneira que ele possa ser feito da forma mais sustentável.

P - Nesse processo, os cidadãos precisam de associações como a Quercus para poderem intervir?
R - Sim. Precisam de saber que opções é que estão a ser tomadas em prol do desenvolvimento mais sustentável da cidade. Vamos começar por um levantamento das necessidades dentro da cidade, vamo-nos dirigir aos sócios, fazer inquéritos, tentar perceber o que é que a cidade nos pede e onde poderemos intervir para que a nossa voz possa ser ouvida e o nosso eco possa, efectivamente, fazer eco.

P?- Referiu, após a sua tomada de posse, que a cidade de Braga precisa de muita atenção em três áreas: urbanismo, mobilidade e espaços verdes. São estas as vossas principais preocupações?
R - Sim. São três áreas muito interligadas. A construção e a mobilidade são dos sectores mais poluentes e têm de ser tratadas em termos ambientais. O trânsito em Braga deixa muitos cidadãos perplexos e a tentar perceber porque é que a cidade cresce tanto e, em termos de trânsito, continua tão difícil.

P - A Quercus de Braga pretende ser uma voz mais interventiva no sentido de propor soluções?
R - Claro que sim. A ideia da Quercus é ajudar e propor soluções. Há sempre a tendência para olhar para a associação como crítica no sentido negativa. A nossa ideia é promover debates, cursos de formação, seminários e outro tipo de acções que possam promover o crescimento de um conhecimento que possa ser útil ao cidadão comum.

Cidade de Braga precisa de mais activismo ambiental

P - Saiu de Braga aos 17 anos, regressou anos depois. Viveu em Lisboa. Sente que Braga está a ter um percurso que pode conduzir aos problemas que se vivem nas grandes cidades?
R - Pessoalmente, penso que Braga não tem dimensão para ter tanto trânsito automóvel. Em Lisboa, chegava a contabilizar o tempo de vida que perdia dentro do carro. Em Braga, isso não faz sentido acontecer.

P - Mas acontece?
R - Acontece. Muito por culpa do cidadão que não está habituado a deixar o carro em casa. Eu moro em S.?Vicente, o meu escritório é na Rua dos Chãos e ando sempre a pé. Não uso o carro, a não ser que tenha de sair da cidade. Esta questão tem a ver com a própria educação dos cidadãos, mas também como uma boa resposta dos transportes públicos.

P - O cidadão, individualmente, pode contribuir?
R - Sim. Pode ajudar muito. Se alterar os seus hábitos, pode ajudar.

P -?Nas três áreas fundamentais do vosso plano de acção, a ideia é fazer diagnósticos de situação e recolher propostas?
R - Vamos tentar perceber o que é que os cidadãos esperam, efectivamente, da cidade. O que é que está mal, o que é que acham que pode melhorar. Fazer um levantamento das necessidades vai-nos ajudar bastante. Vamos pedir também uma reunião com a vereação do Ambiente do Município de Braga. Vamo-nos sentar para tentar perceber o que é que está a ser feito e o que poderá ser melhorado. O papel da Quercus é alertar para as questões.

P - Como disse há pouco, muitas pessoas vêem as associações como a Quercus como movimentos de contestação. Pensa estabelecer pontes de colaboração com o Município?
R - A ideia será sempre essa: que acha colaboração e entendimento entre o Núcleo Regional de Braga da Quercus e o Município. O que não quer dizer que, se uma situação não estiver bem resolvida, não deixemos de alertar para esse facto. Podemos olhar para o centro histórico, para a Braga antiga, e ver que muito está a ser feito em termos de reabilitação de edifícios. Esse dinamismo, para mim, é um factor positivo.

P - E quanto às espaços verdes, há muito caminho a fazer? O núcleo urbano de Braga precisa de investimento nesta área?
R - Não temos um parque da cidade, um espaço onde possamos estar, onde as famílias possam passear com os filhos, fazer piqueniques, estarem mais em contacto com a natureza. Isso poderia ser pensado.
P - Como dirigente da Quercus, mas também como arquitecta, como olha para as soluções já pensadas para as Sete Fontes. Poderiam resolver esse problema?
R - Pode ser por aí. Podemos pensar em regenerar essa área e transformá-la num espaço muito mais vivido e muito mais próximo dos cidadãos.

P - Como vê o activismo ambiental em Braga?
R - Alguma coisa tem sido feito, mas penso que Braga é uma cidade que precisa de mais atenção em termos de activismo ambiental, precisa de mais intervenção dos cidadãos. Precisamos de mais voluntários e mais vozes. O nosso trabalho é voluntário e vamos precisar da ajuda de todos para que o nosso trabalho seja visível e possa ser considerado.

P - A História da Quercus foi muito marcada por acções de rua e por uma luta muito forte contra a expansão do eucalipto em Portugal. Passado este tempo, as pessoas poderão pensar que não valeu a pena.
R - Alguma coisa vai ficando. O nosso papel é importante a esse nível. Muitas vezes conseguimos travar questões que, se tivessem seguimento, poderiam ter tido desfechos menos bons em termos ambientais. A Quercus nasceu muito voltada para as acções interventivas, muito para acções na rua e mediáticas. Na altura não havia a internet e as redes sociais. Hoje estamos numa situação diferente e temos outras formas de comunicar, se bem que continuemos a fazer aquele tipo de acções.

P - Mas, apesar dessa luta contra a expansão do eucalipto, este continua a expandir-se. O símbolo da Quercus, que é uma folha de carvalho...
R - Há poderes que são difíceis de rebater, mas ainda há dias estivemos na comunicação social a falar dessas questões. Estamos sempre a tentar mudar e a chamar a atenção.

P - A Quercus chama muito a atenção para a importância da mudança de comportamentos individuais para a melhoria das condições ambientais, mas vemos grandes decisores políticos com discursos e acções que vão em sentido contrário. Não teme que o cidadão, em casa, pense que os seus esforços não valem a pena?
R - O cidadão pensa muito isso.

P - E como é que se consegue convencê-lo ainda mais a mudar comportamentos?
R - É, de facto, um trabalho um bocadinho ingrato e difícil. A ideia é tentar convencer os cidadãos que estão a agir por eles, pelos filhos e pelos netos. Temos de pensar que o Planeta não é nosso.?Temos de ter essa consciência, temos de continuar a focar-nos em nós.

P - De que forma pretende a Quercus actuar em Braga, com que acções concretas?
R - Vamos tentar perceber as necessidades e vamos organizar-nos. A Quercus de Braga tem uma forte acção em termos formativos, muito embora orientada para a agricultura biológica e áreas mais específicas. Vamos tentar orientar a formação para as mudanças de hábitos em casa que podem ajudar o cidadão comum a tomar decisões ambientalmente mais correctas.

P - Um pouco no sentido de um espaço que a Quercus tem na televisão pública, o ‘Minuto Verde’?
R - Sim. Sermos conselheiros. Temos a consciência de que, muitas vezes, o consumidor não vai lá pelos valores do Ambiente, mas pelo dinheiro que pode poupar se tomar decisões mais correctas.
P -?Até porque há ainda muito a ideia de que a adopção de hábitos saudáveis, por exemplo, ao nível da alimentação, é quase um luxo?
R - A alimentação não é, de todo, a minha área.

P - Indo então para a sua área, se eu quiser construir uma casa ambientalmente sustentável, sai-me mais caro ou mais barato?
R - Essa é a grande questão. Costumo dizer que construir bem ou mal uma casa custa exactamente o mesmo, mas se estivermos a orientar bem uma casa, a dimensioná-la bem, com os materiais adequados, vamos ter uma poupança energética enorme e o custo da casa foi exactamente o mesmo.

P - Há um ganho a prazo.
R - Essa é a questão mais difícil de convencer. Quando o cliente vai construir uma moradia para si, se calhar ouve estes conselhos, mas quando o cliente é o construtor que vai vender...Infelizmente, quem vai comprar ainda não tem o hábito de olhar para a etiqueta energética ou para questões como ter ou não os estores por fora dos vidros, questões básicas em termos de poupança energética.

P - Como se pode promover a construção sustentável com ganhos ambientais a prazo. Terá de ser com políticas públicas?
R - Poderão ser as câmaras municipais a impor regras. Esta é uma questão que gostaríamos de trabalhar com o Município de Braga. Trabalhamos com grupos europeus nesta área. A abolição de materiais como isolamentos à base do petróleo está a ser considerada. Esta é uma questão que gostaríamos de trazer para este Município.

P - Acha que as câmaras municipais poderiam enveredar por incentivos à construção sustentável?
R - Tem de ser por aí. O papel das câmaras municipais é fundamental para que se alterem hábitos em termos de construção, porque são elas que licenciam, são elas que fazem obras públicas. No fundo, são elas que dão o mau ou o bom exemplo em termos de construção. Nem são precisos grandes incentivos. Por exemplo, podem aprovar num prazo menor um projecto com premissas de sustentabilidade. Tudo o que possa fazer para seduzir o construtor para a construção sustentável é válido e é necessário.

P - Quando falamos de construção sustentável, estamos a falar da descabornização do Planeta?
R - Claro. Quando se constrói uma casa há muitas emissões de CO2 que são geradas e que podem ser evitadas optando por materiais mais amigos do Ambiente, que sejam passíveis de ser reutilizados e reciclados. Já existem bases de dados de materiais para reutilizar. O Portal da Construção Sustentável está envolvido no projecto de demolição do edifício Coutinho, em Viana do Castelo. Nós contabilizamos os materiais que estão óptimos para serem reutilizados. A ideia é que possam entrar num banco de materiais e serem reutilizados noutras obras. A economia circular é precisamente isso: adiar o ciclo de vida dos materiais até serem reintegrados nos processos produtivos e que a última opção seja o aterro.

P - No caso do prédio Coutinho, vai já ser feito o reaproveitamento dos materiais?
R - Sim. Estamos envolvidos através do Portal da Construção Sustentável e da Quercus, que tem um Centro de Informação de Resíduos. Foi este Centro que fez o estudo de todo o material a reaproveitar.

P - O que pode ser feito dos resíduos do Prédio Coutinho?
R - As torneiras e os sanitários podem ser reutilizados tal qual estão. Outros podem ser reciclados e reintegrados em novos materiais.?

P - Esta a fazer tese de doutoramento na área da construção sustentável. Esta é uma área que está em crescimento em Portugal?
R - É, mas tem uma expressão ainda muito reduzida. Eu abri o Portal da Constru-ção Sustentável em 2010 e costumo dizer que ando há quase 10 anos a gritar a surdos e alumiar cegos. A certa altura, os construtores e consumidores já sentiram que a sustentabilidade é uma necessidade, não é uma moda.

P - Já há edifícios públicos construídos de acordo com as regras da sustentabilidade?
R - Não tenho nenhuma referência. O Estado deveria dar o exemplo. Existe um decreto-lei que diz que os edifícios públicos têm de passar a ser neutros em termos energéticos, ou seja, a energia que produzem tem de ser igual à energia que consomem.?Uma directiva europeia prevê que os edifícios públicos comecem, já em 2019, a serem intervencionados no sentido da neutralidade energética. Entretanto, isto foi adiado por mais um ano. Temos na Quercus o projecto ‘Eco Casa’, que vai
ter um simulador de consumo de energia.
Poderemos configurar a nossa casa e saber quanto é que vamos gastar ao fim do mês para a climatizar e que alterações poderemos fazer para que a factura energética baixe. De acordo com as características da sua casa, cada pessoa vai perceber qual é a etiqueta energética, passando a valorizá-la. Vamos também informar sobre os ganhos ambientais.

P -?E estará disponível quando?
R - Em Outubro. Será lançado no Dia Mundial da Arquitectura do do Habitat Humano. Estará disponível online.

Quercus não é totalmente contra a exploração de lítio

P - Como vê as questões ambientais tratadas dentro dos partidos políticos?
R - Há pouca acção política, mas é importante que as questões ligadas às alterações climáticas estejam cada vez presentes nos programas políticos, para que nos consciencializemos que é verdade que estamos quase a precisar de dois planetas para satisfazer as nossas necessidades. Campanhas como as que a Quercus faz não são suficientes. É preciso haver estímulos e penalizações para os cidadãos e consumidores.

P - A Quercus tem uma posição já formada sobre a possibilidade de extracção de lítio em Portugal, concretamente na região minhota?
R - A Quercus tem uma plataforma contra a exploração de lítio em Portugal. O Município de Braga assinou essa campanha. A Quercus não vê a extracção de lítio como muitas vezes a comunicação social passa.

P - Mas se sou contra a extracção de lítio, como é que uso este meu telemóvel?
R - Não somos contra a extracção de lítio, achamos é que ela deve ser feita em zonas controladas e onde não haja impactes ao nível da vivência das pessoas. Que não seja feita a extracção de forma completamente desenfreada. De certeza que as zonas onde se contesta a extracção de lítio serão aquelas em que haverá mais problemas ambientais.

P -?Na sua opinião, a necessidade e o valor económico do lítio não devem sobrepor-se aos valores ambientais?
R -?Não somos totalmente contra a extracção de lítio, somos contra a extracção se esta for feita de uma forma não estudada em termos ambientais. A nossa posição será sempre a do desenvolvimento, sim, mas de forma controlada e correcta.

P - Como é que a Quercus olha para o estado do País muito devastado nos últimos anos por incêndios descontrolados. É uma inevitabilidade, tendo em conta o coberto vegetal em Portugal?
R - Temos um projecto muito acarinhado na Quercus que se chama ‘Criar Bosques’’, onde reunimos centenas de voluntários para fazer plantações. A ideia é associar-nos à descarbonização.?Fazemos aquilo que é possível.

P - Não é um trabalho exemplar mas inglório?
R - Às vezes pode ser inglório, mas não devemos desistir, temos de agarrar mais voluntários e convencer mais empresas de que é preciso investir nas plantações

P - Em Outubro de 2017, partes do concelho de Braga foram devastadas por incêndios de grandes dimensões, nomeadamente nos montes de Santa Marta e da Falperra...
R - Estão cheios de eucaliptos.

P - Não aprendemos?
R - Esse é um assunto que a Quercus Braga terá de pegar e, se calhar, falar com a minha colega do projecto ‘Criar Bosques’ e ver o que podemos fazer em conjunto. Há questões legislativas que têm de ser alteradas.

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