Xutos e Ana Moura no cartaz da Festa das Cruzes 2024
2021-07-24 às 06h00
Isabel Estrada Carvalhais, eurodeputada do Partido Socialista, tem como lema de mandato ‘Europa com o Minho no Coração’. Participou na elaboração da nova Política Agrícola Comum (PAC), relevando, em entrevista ao ‘Correio do Minho’ e rádio Antena Minho, a necessidade de distribuição dos apoios comunitários ao mundo rural segundo critérios de sustentabilidade ambiental e social.
P - Está no Parlamento Europeu há dois anos. Que balanço faz desta etapa de vida alguém que, até 2019, não tinha acção política activa, pelo menos em termos partidários?
R - Faço um balanço muito positivo. Não somos bons juízes em causa própria, mas julgo que tenho indicadores objectivos que me permitem fazer essa avaliação. Estou em quatro comissões do PE, numa como suplente, e em todas elas tenho um trabalho bastante forte. Já fui relatora de 17 ficheiros legislativos e não legislativos, e o que tenho feito é encará-los a todos com igual empenho. Há sempre um ou outro que se destaca pela relevância política, que é o caso do parecer sobre a biodiversidade na Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural. Mais recentemente, o relatório na Comissão de Inquérito sobre a Protecção dos Animais durante o Transporte. Ou o caso de um relatório de iniciativa do PE sobre o papel da agricultura e das pescas na economia azul. Para além disso, têm sido dois anos muito compensadores no que se refere ao contacto com a sociedade civil, empresas, instituições, ONG e escolas.
P?- A?Comissão da Agricultura foi uma escolha natural para si?
R - É preciso recordar como chego ao PE em Setembro de 2019: em substituição do André Bradford, um grande açoriano, que tinha as comissões da Agricultura e das Pescas. Herdei estas comissões, honrando a memória do colega, mas também pensei que as mesmas, em conjunto com a do Desenvolvimento Rural, não podiam ser as melhores para mim, que sou de um distrito com uma forte componente do mundo rural e das pescas. Há uma dimensão rural do nosso país que tem de ser valorizada.
P - Temos uma nova Política Agrícola Comum (PAC). Há a percepção de que os financiamentos comunitários chegam mais facilmente a uma agricultura mais industrializada do que a uma agricultura de minifúndio como é a do Minho. Tem essa ideia também?
R - O acordo entre o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu relativamente à nova PAC é um resultado muito positivo da presidência portuguesa. Este é um dossiês mais difíceis dos pontos de vista técnico e político. Entendo as críticas à PAC nos últimos anos, mas é preciso que as pessoas entendam que esta é a primeira política europeia comum e que tem sido vital para a sobrevivência de muitas explorações agrícolas em toda a União Europeia. A nova PAC procura responder aos problemas de distribuição de recursos ao criar a obrigatoriedade de 10% do primeiro pilar ser dedicado ao pagamento redistributivo a favor das pequenas explorações. É uma forma de responder a uma crítica legítima que vem do passado: a falta de uma dimensão de maior justiça social.?Mas atenção: sem a PAC, o mundo rural da União Europeia não conseguiria sobreviver. A nova PAC procura ir ao encontro de uma maior redistribuição e de um novo paradigma de produção, uma nova concepção dos sistemas de produção alimentar.
P - É aí que entra o conceito de sustentabilidade?
R - É fundamental! Temos de caminhar para uma agricultura de maior sustentabilidade ambiental, que é definida pelas estratégias da biodiversidade e do ‘prado ao prato’, que estão no Pacto Ecológico Europeu. Temos de ter técnicas e práticas agrícolas que reduzam os pesticidas, os fertilizantes e os microbianos, temos de fazer uma melhor gestão hídrica... O caminho é este, com os instrumentos financeiros para que o agricultor possa fazer a transição, através dos eco-regimes e das medidas agro-ambientais. A nova PAC?procura regras mais rigorosas do ponto de vista ambiental.
P - Está confiante na aplicação efectiva desses princípios?
R - O que a nova PAC fez foi integrar nos seus objectivos das estratégias da biodiversidade e do ‘prado ao prato’. Compete aos estados membros incorporar esses objectivos com flexibilidade.
P - O mundo rural em Portugal sofre da desertificação humana. A nova PAC dá respostas a este problema?
R - Quando se pensa num incentivo mínimo aos jovens agricultores, a ideia é de que muitos projectos sejam concretizados em zonas em despovoamento. Estamos a ver uma tensão entre os mundos urbano e rural. É preciso levar as pessoas a ver que o mundo rural não é um apêndice, não está ali só para o passeio, para o ecoturismo e para sustentar com as suas hortas o mundo urbano. É um mundo com um valor intrínseco, que tem de ter os apoios financeiros no sentido de criar projectos âncora que valorizem os produtos locais e a diversidade de actividades. Na nova PAC?são muito valorizados os projectos que apostem na investigação científica e tecnológica, como forma de atrair e fixar jovens nas zonas rurais.
P - A questão da sustentabilidade também se aplica às pescas. Que desafios antevê para este sector?
R - O grande desafio para as pescas é a sustentabilidade social e ambiental. A Política Comum das Pescas tem ajudado a esse esforço, mas é preciso fazer muito mais. Há uma pressão sobre os oceanos, Não é algo ideológico, é uma evidência científica. O regulamento de controlo que está a ser negociado entre o Conselho da União Europeia e o PE vai obrigar a uma maior digitalização com o objectivo de obter uma maior rastreabilidade das zonas marinhas, para se ter conhecimento do impacto das artes de pesca em determinadas áreas. A recolha de dados é fundamental. A aposta na aquicultura também é importante como forma de diminuir a pressão sobre o pescado dos mares.
P?- Essa digitalização e rastreabilidade permitirão travar uma redução da actividade piscatória?
R - O que é fundamental também é investir na parte do consumo, da relação do indivíduo com o alimento.?Temos de procurar o equilíbrio. Somos uma sociedade que caminha perigosamente para o desequilíbrio. Temos muitas pessoas com carências nutricionais e outras que comem em excesso. Há que existir um equilíbrio que, sendo feito por cada um de nós, pode ter algum efeito macro, mas o verdadeiro impacto macro só se consegue com políticas públicas.
P - Vamos ter de consumir menos peixe porque os recursos são escassos?
R - Consumir com moderação. O que é consumir menos para uma pessoa que não tem possibilidade de comprar peixe? Temos de valorizar o pescado que foi desconsiderado por um qualquer preconceito ou mito. E também reduzir o desperdício.
P -?Faz parte de uma Comissão do PE?de Inquérito sobre a Protecção dos Animais durante o Transporte. Trata-se de uma questão aflorada por pequenos partidos políticos e movimentos. Não parece ser uma questão que mobilize o comum dos cidadãos...
R - Olhe que eu não tenho essa ideia.
P - O que é que essa Comissão está a fazer?
R - Ela tem um mandato muito claro e surge no seguimento de um conjunto de casos que foram ocorrendo nos últimos tempos, que se prendem com a dignidade dos animais durante o transporte. Vivemos num contexto cultural, o europeu, em que reconhecemos que os animais são seres sencientes.?A Ciência tem-nos dado muitas evidências de que eles sentem sofrimento, desconforto, medo e que têm graus de reconhecimento. A maneira como tratamos os animais diz muito sobre a nossa sociedade. Se valorizamos que os animais são seres sencientes, temos de verificar se as nossas práticas lhe dão mais ou menos sofrimento. Temos de perceber se o que se passa com o transporte é compatível com os nossos valores no que se refere ao animal como ser senciente e não como objecto.
P -?A Comissão já fez algum trabalho, fez recomendações?
R - A Comissão quer perceber as lacunas que eventualmente existam no regulamento europeu que já vai com 16 anos. Verificámos que tem lacunas, não é bem aplicado, que é de difícil aplicação, que tem questões burocráticas que merecem simplificação, que permite interpretações diferentes de país para país e que as próprias sanções não são uniformes. No imediato, a regulamentação tem de ser alterada. O que esta Comissão faz não é condenar o consumo de carne, não é condenar o transporte de animais. O objectivo é reduzir a necessidade do transporte.
P -?Como é que isso pode ser consegui-do?
R - Com o desenvolvimento de projectos de refrigeração local, por exemplo.
P - Para além do acordo da nova PAC, o que destaca de positivo da recente presidência portuguesa do Conselho União Europeia?
R - Houve um conjunto de resultados positivos, reconhecidos da esquerda à direita. Portugal ficou com uma imagem muito positiva, porque esta foi uma presidência num contexto particularmente difícil. Tivemos o acordo sobre os instrumentos financeiros, os primeiros planos de recuperação e resiliência, a aprovação da Lei Europeia do Clima, tivemos a Cimeira UE-Índia.
P - É professora e investigadora. No final deste mandato no PE, voltará à Universidade do Minho ou continuará uma carreira política?
R - Não estou muito preocupada com essa antecipação. Quando fui para o PE disse que ia como missão. Quem vive na projecção do que vai acontecer acaba por não se concentrar a fazer as coisas e a desviar-se do trabalho do dia a dia. O meu trabalho é tão absorvente que nem sequer penso no que vou estar a fazer daqui a três anos. O que interessa é essa entrega diária.
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