Dia Mundial da Água convida a desfrutar das Sete Fontes
2019-07-13 às 06h00
Escrevia o poeta que o "sonho comanda a vida e que sempre que o Homem sonha, o mundo pula e avança". Terá sido assim com o Bom Jesus de Braga. O Bom Jesus foi reconhecido pela UNESCO como um "conjunto paisagístico e arquitectónico excepcional", uma distinção que faz deste ex-libris de Braga e de Portugal Património Mundial. Em entrevista ao Correio do Minho e Rádio Antena Minho, Varico Pereira, coordenador da candidatura do santuário, aborda os deveres e as responsabilidades da gestão daquele bem.
P - Do sonho de ver o Bom Jesus do Monte Património Mundial até à concretização, no passado domingo, na reunião da UNESCO, em algum momento receou que o processo não fosse validado, na primeira apresentação da candidatura?
R - Este é um momento de grande alegria, não só para o Bom Jesus, mas também para Braga, para o Minho e para o País. O percurso foi longo, teve alto e baixos e nunca houve um momento em que pensássemos desistir. O nosso objectivo era continuar até ao que seria o desiderato final. O que sabíamos era que o sonho poderia demorar mais ou menos tempo a ser concretizado. Em 2016 idealizámos que até 2020 seria um bom ‘timing’ para que surgisse a classificação. Afinal, o reconhecimento surgiu em 2019 e eu acho que foi excepcional conseguir nesta data, porque foi o primeiro ano em que Portugal voltou a ter possibilidade de apresentar novamente candidaturas à UNESCO.
P - No caso Palácio Nacional de Mafra, que foi também classificado como Património Mundial, foi a segunda vez que tentava esse reconhecimento.
R - No passado Portugal indicou Mafra, mas depois desistiu da candidatura antes da conferência do Comité do Património Mundial da UNESCO.
P - O governo português submeteu duas candidaturas. Em algum momento pensou que pelo facto já ter apresentado a proposta de Mafra, o Bom Jesus do Monte pudesse não ser contemplado?
R - Observámos alguns constrangimentos que podiam acontecer por causa dessa nota que está a dar, mas tínhamos confiança no trabalho que fizemos e a avaliação do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) ia também nesse sentido, isto é, a candidatura do Bom Jesus cumpria uma série de critérios e Mafra não cumpria, o que nos dava esperança.
P - Estamos a recordar alguns passos da candidatura do Bom Jesus a Património Mundial, num processo que tem também muita movimentação política e diplomática. Às vezes, só o mérito das propostas não é suficiente.
R - Trata-se de um processo muito complexo do ponto de vista científico, técnico e burocrático. Estes processos levam vários anos a maturar para serem apresentados. Depois vem ainda um processo político/diplomático, nesta fase final, esse sim muito decisivo para o reconhecimento.
P - O reconhecimento do Bom Jesus como Património Mundial da UNESCO foi por unanimidade?
R - Todo o Comité votou a favor da inscrição do Bom Jesus como Património Mundial, apesar de ter sido a Espanha a indicar essa inscrição.
P - De um forma sucinta, como é que decorre o processo de indicação e votação?
R - O Governo português apresentou as candidaturas ao Comité da UNESCO e nestas sessões Portugal não está presente, por ter apresentado essas candidaturas. Por isso, há outro país desse Comité que faz a inscrição. No caso de Mafra foi o Brasil, no caso do Bom Jesus foi a Espanha.
P - O Brasil foi um defensor fervoroso da candidatura do Bom Jesus do Monte.
R - Houve uma postura excepcional da embaixada brasileira na UNESCO, que pediu a palavra logo em primeiro lugar para subscrever a inscrição do Bom Jesus, fazendo uma comparação que deixou o júri com poucos argumentos para dizer não."Se nós, no Brasil, temos o filho (Bom Jesus de Congonhas) inscrito como Património Mundial desde 1994, porque é que o pai (Bom Jesus de Braga), ainda não está?” Este argumento foi muito simpático e muito importante, porque de certo modo abriu as portas para o sucesso da inscrição do Bom Jesus de Braga.
P - Internamente, ainda não está fechado o processo de classificação do Bom Jesus como monumento nacional. Essa situação poderia ter sido prejudicial na análise do Comité da UNESCO?
R - Essa foi uma questão efectivamente
levantada em Baku, durante a análise da candidatura do Bom Jesus do Monte, mas a Espanha ajudou a esclarecer essa situação anacrónica, porque o procedimento em Portugal é idêntico ao espanhol, apesar do nosso embaixador também ter esclarecido. A partir do momento em que é aberto o procedimento de classificação como monumento nacional, todo o santuário fica abrangido pelas mesmas regras de um monumento nacional, ou seja, a protecção do bem fica garantida a partir da publicação da portaria. A classificação final deve sair no princípio de Agosto. Esta questão foi analisada na reunião do Comité da UNESCO, porque em alguns países o procedimento é diferente.
P - A Confraria do Bom Jesus do Monte enquanto entidade proprietária e gestora do santuário tem um caderno de encargos, uma série de recomendações para o futuro, que tem de cumprir.
R - Há dois relatórios que temos de entregar: um em Dezembro de 2020 e que tem a ver com um estudo de paisagem. Este estudo já foi entregue, no entanto o ICOMOS não teve tempo de o apreciar. Depois de o ler, faz as recomendações que forem convenientes.
P - Esse estudo da paisagem reporta para que situações?
R - Este estudo refere-se àquilo que é a origem e a evolução da mata do Bom Jesus e dos seus jardins. Um património que é também reconhecido nesta distinção mundial.
P - Mas a UNESCO coloca também condições em termos da gestão desse património?
R - Isso é um outro relatório a ser entregue em 2021, mais abrangente e que diz respeito à protecção do bem e à sua gestão. Temos de criar um Conselho Consultivo e há alguns factores que a UNESCO aponta, nomeadamente o risco de incêndio. Essa protecção tem de ser garantida através de projectos e acções concretas. A Câmara Municipal de Braga já está a colaborar connosco nesse sentido.
P - Todos nos recordamos do grande incêndio de 2017, que esteve muito próximo do Bom Jesus e que, por sorte, não atingiu o santuário e a zona envolvente…
R - Não foi somente sorte. Existiu muito trabalho. O fogo não chegou à mata do Bom Jesus, porque, para além do combate as chamas, o interior da mata tem um plano de manutenção que é seguido de forma muito rigorosa. A limpeza, o abate de árvores degradadas, a plantação de árvores que sejam menos combustíveis e que são de alguma forma inimigas do fogo ,impedindo a sua propagação.
P- Mas as recomendações da UNESCO são agora mais exigentes?
R - Não é apenas a mata limpa, é preciso que todos os proprietários à volta do Bom Jesus também façam a limpeza dos seus terrenos. Nesse sentido, a Câmara Municipal de Braga está a desenvolver com a de Guimarães um projecto pioneiro que é o dos ‘Sacro Montes’, que pretende garantir, também, a integridade daquele espaço florestal.
P - Os últimos números apontam para mais de 1,2 milhões de visitantes por ano no Bom Jesus e a expectativa, fruto deste reconhecimento à escala mundial, e de atrair mais visitantes. A Confraria do Bom Jesus como é que vai lidar com esta pressão crescente de pessoas?
R - Na altura, a polémica que se instalou com a cobrança de uma taxa para os automóveis que entrassem na zona do santuário foi natural, mas as pessoas não se podem esquecer que o condicionamento é para a entrada de veículos. As pessoas vão poder continuar a entrar, sempre, ninguém vai cobrar ingressos para a basílica ou para o parque.
P - É um compromisso para o futuro?
R - É um compromisso para um futuro que eu posso assumir, pelo menos enquanto tiver responsabilidades na Confraria. Se alguém quiser ir visitar aquilo que será o núcleo museológico - a torre sineira e o Coro Alto - aí sim, será cobrado um valor simbólico de entrada.
P - Quando é que esse núcleo museológico estará visitável?
R - Esperemos que no próximo dia seis de Setembro esteja finalizado para ser inaugurado.
P - E relativamente ao aumento do número de visitantes?
R - Vamos criar bolsas de estacionamento um pouco mais longe do Bom Jesus, por exemplo na zona do Pórtico. Depois de criar essas zonas de estacionamento, queremos que as pessoas procurem outros meios de chegar à zona da basílica, através da utilização do Funicular ou pelo escadório. O que pretendemos é afastar o trânsito o mais possível e permitir aos visitantes formas alternativas de movimentação. Temos de estar preparados para um número de visitantes que já temos definido: 2 milhões. Se entretanto registarmos uma afluência mais significativa, terão de ser repensados novos instrumentos de gestão urbana.
P - Há cada vez mais bracarenses a procurarem o Bom Jesus para lazer, desporto, para fins religiosos e espirituais. Essas actividades ficam salvaguardadas, mesmo com a classificação de Património Mundial?
R - Claro que sim. Para aqueles que gostam de subir o escadório, estamos a criar melhores condições para o fazerem. Está na fase final a recuperação das capelas, da estatuária, de todo o escadório e a colocação de um sistema de iluminação para quem quiser fazer a subida com mais segurança em período nocturno.
P - Durante o processo de candidatura, a UNESCO deu nota de alguma preocupação com a expansão urbana na encosta do Bom Jesus. Existem garantias da Câmara, em sede de Plano Director Municipal, de ser acautelada essa pressão construtiva?
R - Já foram dadas essas garantias.
P - Se não, corre-se o risco de perder a classificação?
R - Alguma infracção que ocorra dentro da zona tampão pode colocar o Bom Jesus na lista dos lugares em risco.
Estamos a falar de uma zona de protecção especial. Obviamente que há edifícios dentro dessa área, mas eram construções que já existiam. Novas edificações não vão ser possíveis.
P - Caso se verifique uma afluência muito significativa de pessoas ao santuário, a Confraria está a ponderar alargar a zona da mata do Bom Jesus para conter os visitantes?
R - Temos 26 hectares, Há muitas áreas ainda por explorar. Vamos colocar sinalética adequada para que as pessoas possam explorar o Bom Jesus que não conhecem, com toda a beleza natural da mata, com a sua flora e fauna.
P - Melhorar as acessibilidades ao Bom Jesus e aumentar a frequência do serviço dos Transportes Urbanos de Braga (TUB) é outro dos aspectos a ter em conta?
R - Houve, de certo modo, uma antecipação por parte dos TUB com o reforço das carreiras para o Bom Jesus. Com a classificação como Património Mundial da Humanidade, será repensado o sistema de mobilidade que permita gerir melhor a afluência de pessoas.
P - Existem quatro hotéis a funcionar dentro do recinto do Bom Jesus. Vão reforçar a oferta, ou esperar para ver a evolução do número de visitantes que querem pernoitar?
R - Dentro do Bom Jesus, já não podemos aumentar a oferta. Toda a intervenção que se venha a fazer será no sentido de requalificar o que já existe. Ainda não sabemos os níveis de procura que vamos ter. Eu acho que Braga e o Bom Jesus, neste momento, têm capacidade de resposta hoteleira. Não existe necessidade de criar novos alojamentos, novos hotéis para responder a esta procura. Braga ainda é uma cidade sazonal em termos turísticos.
P - Alguns dias depois da classificação da UNESCO, existem já sinais de aumento de procura?
R - Ainda é cedo. Temos no Sameiro uma unidade hoteleira que tem 92 quartos, que pode ser preparada para receber muita gente. Volto a dizer que é preciso requalificar e adequar o alojamento que existe. Aumentar a oferta não me parece necessário neste momento.
P - Enquanto especialista na área do turismo, consegue perspectivar o impacto que o Bom Jesus pode trazer no plano económico a Braga e à região?
R - Quando fizemos a candidatura e elaborámos o plano de gestão, tivemos de pensar nisso. Existe um estudo feito pela Comissão Nacional da UNESCO onde se prova que em Portugal os bens classificados como Património Mundial tiveram um aumento na ordem dos 25 a 30% de procura nos primeiros cinco anos a seguir à sua classificação.
P - O espaço de cafetaria e esplanada que existe nas proximidades do elevador e do santuário vai manter-se?
R - Vai ser requalificado. O projecto já existe e a própria UNESCO pediu-nos esse compromisso. Aquele espaço de café vai ser retirado e naquele antigo quartel será criado um centro de interpretação para o visitante.
P - O serviço de cafetaria e esplanada vai acabar?
R - Da forma como está actualmente, vai acabar. Teremos outras ofertas, com uma disposição diferente e com muito menor impacto.
P - Quanto é que a Confraria do Bom Jesus já investiu no processo de reabilitação do santuário, dos espaços envolventes, dos hotéis?
R - Estamos a falar de um investimento na ordem dos 20 milhões de euros. As intervenções principais que foram realizadas desde 1998 tiveram a ver com a requalificação de todos os acessos, o parqueamento dentro da estância, a renovação da colunata de eventos, dos hotéis, do escadório dos Cinco Sentidos e mais nove capelas, Na última intervenção requalificou-se a basílica, mais seis capelas e o escadório até aos Cinco Sentidos. Em 2006 o elevador foi também intervencionado. No ano passado foram investidos mais de 150 mil euros na mata do Bom Jesus. Nestes últimos seis anos a conservação e restauro dos escadórios, das capelas e da basílica, teve uma comparticipação merecida através do QREN e do Norte 2020 de 70% e de 85 %. Foi uma comparticipação importante e significativa. Se não fossem estes apoios, dificilmente poderíamos fazer intervenções daquela envergadura.
P - Não houve nenhum apoio estatal?
R- Do Governo português não houve. Apenas uma comparticipação através de fundos nacionais do Turismo de Portugal. Tudo o que tem sido concretizado tem sido com o esforço da Confraria, através das suas áreas de negócio. Se não fosse assim, muito dificilmente as obras seriam realizadas.
P- Continuam a existir programas de financiamento que enquadrem a requalificação do Bom Jesus?
R - Com a designação de Património Mundial aumenta o mérito do sítio e esperamos que olhem para nós de outra forma e vejam que todo o dinheiro que foi concedido ao Bom Jesus foi muito bem investido. Não só foi investido na conservação e restauro, como também permite criar desenvolvimento económico no território. Por isso, entendo que existem motivos para continuarem a apoiar-nos.
P - Na perspectiva de novas candidaturas às verbas europeias, a Confraria já pensou qual ou quais os projectos que podem ser financiados?
R - Essencialmente o Centro Interpretativo.
P - O cumprimento das recomendações feitas pela UNESCO vai ser escrutinado.
R - Nós temos de apresentar relatórios anuais ao Comité e à Comissão Nacional. Desde logo, é preciso fazer um reforço daquilo que é a profissionalização da gestão do Bom Jesus.
P- O lago no Bom Jesus, um dos locais mais procurados, vai ser requalificado?
R - Vamos ter na zona do lago um novo espaço de lazer. Um equipamento que no passado também já funcionou como bar.
P - O Funicular foi também um elemento importante na avaliação da candidatura a Património Mundial.
R - O elevador, o lago, as condutas de água e as minas entraram como património industrial para o processo de candidatura.
P - A Confraria consegue manter, com algum esforço, o funcionamento do funicular a água.
R -As pessoas não se podem esquecer que o elevador funciona da mesma maneira que funcionava há 137 anos. Todas as peças que o funicular possa precisar, nomeadamente o sistema de travagem, são feitas à medida e construídas especificamente para o elevador. Relativamente ao combustível, que é a água, felizmente o Bom Jesus tem em quantidade. No entanto, temos um sistema de gestão muito sustentável da água que faz o seu reaproveitamento.
P - No plano cultural há planos para reforçar iniciativas?
R - O Bom Jesus não vai criar novos espaços. Os que existem são suficientes. Queremos também promover as actividades ambientais. Temos um protocolo com a Quercus de Braga que continuará a ser dinamizado.
P - A realização de casamentos e de baptizados no Bom Jesus, agora que é Património Mundial, vão continuar a ser autorizados?
P - Não estão em risco, antes pelo contrário. Com as obras na igreja houve uma diminuição drástica de cerimónias. A procura vai crescer certamente, até porque, em 2017, o Bom Jesus foi o santuário do país onde mais pessoas se casaram. O que nós prevemos é que exista, também nesta situação, um aumento da procura e temos de estar preparados para dar uma resposta adequada.
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