As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2022-03-18 às 06h00
A guerra voltou a sair à rua com holofote. Sempre esteve fora de casa, mas no último meio século boiava na indiferença do Homem. Com o estalo do flash, regressou o olhar esventrado. Há buracos no céu e na terra. Palavras e silêncio esmagam os dias. O instante voa. Puxa-se o gatilho como se respira. O dia confunde-se com a noite. Não há domingos de Sol.
É neste chão que ecoa a voz de um líder que tem espantado o marasmo político. Volodymyr Zelenski é o presidente mais jovem da Ucrânia (44 anos), o primeiro presidente judeu deste país, o mais liberal, mais popular (73% dos votos) e pró-ocidental eleito nesta pátria que acolhe 40 milhões de pessoas.
Desde as 3h30 (hora portuguesa) do passado dia 24 que este homem marcha sem medo. Incisivo em frente às câmaras, tem desmascarado a justificação de Putin quando referiu que a ofensiva militar aconteceu para proceder à “desmilitarização e desnazificação da Ucrânia” e responder a ameaças de “genocídio” de russos no Leste da Ucrânia.
Zelensky lembra Churchill. Pelo rasgo protocolar e pela palavra sem rede. Aparece como um de nós. Fala sem artifício. Surge de t-shirt verde, sem capacete nem colete, em país de bater o dente. Não somos tentados a pensar que há encenação. Não fugiu quando o podia fazer. A cobardia, para já, não mora com ele. Multiplica-se em apelos. Rebobina a história. Vaticina. Reexplica. Acordou uma Europa surda. Abanou com a Alemanha, retirou a neutralidade à Suiça, impos sanções, desbaratou o rublo, congelou fortunas dos oligarcas russos. Pela primeira vez na história, a União Europeia financia a compra e envio de armamento para um país sob ataque.
Pode-se ferir o inimigo sem armas. Com este conflito, a banca russa sofre com o bloqueio da Rússia ao sistema de pagamentos internacional SWIFT – serviço que permite que as instituições financeiras troquem de forma rápida e eficiente as mensagens eletrónicas necessárias para levar a cabo transferências bancárias ou ordens de pagamento. União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos da América (EUA), Canadá e Japão têm disparado mensagens unânimes no sentido de “isolar a Rússia do sistema financeiro internacional” e bloquear ativos do banco central.
Hoje todos sabemos onde fica a Ucrânia. Não só pela guerra, mas pelo farol que ainda habita em Kiev. Zelenski é um osso duro frente à esfinge de Putin. A atitude do antigo comediante ucraniano tem levado a imprensa internacional a destacar-lhe a bravura a ponto de o catalogarem como “Herói Judeu” (The Atlantic), “Herói que nasce numa cidade agitada pela guerra” (The Washington Post) ou “George Washington da Ucrânia” (Los Angeles Times).
Não gosto de heróis nem acredito neles. A maioria é feita à mercê da ocasião. O tempo, por regra, encarrega-se de destapar os pés de barro. Há pouco salubre na asfixia que tantas vezes é martelada. Porém, não sou cego para ver a forma como Zelenski caminha na estrada sem marcação. É um homem deste tempo. Aproveita a tecnologia – com milhões de seguidores no Instagram e Youtube – para mobilizar um país com 16% de jovens, 17% de idosos e com uma população onde a idade média é pouco superior a 40 anos. Putin acreditou na “blitzkrieg”, guerra-relâmpago que lhe permitisse assumir rapidamente o controlo da Ucrânia. Falhou em toda a linha. O cair das bombas em direto uniu o Mundo e pulverizou o ódio em gerações.
Em guerra ninguém vence. Pode a bandeira ser içada e estar desfraldada ao vento, pode o povo gritar e espernear. Ninguém irá apagar a alma que sangra em gente que tudo perdeu. Em poucos dias, sentimos o que antes tínhamos que pagar. A ficção saltou da tela. Entrou casa dentro sem bater à porta. A pandemia parece coisa distante. Roça a saudade, tamanho o absurdo a que assistimos.
Reerguer o homem não é quando ele quer. Zelenski sabe-o, não fosse ele um ator que arrebatou audiências – a série “Servidor do Povo” chegou a ser vista por 20 milhões de espetadores – venceu concursos e chega agora a uma improvável áurea messiânica num país onde o salário mínimo não chega a 200 euros.
A Ucrânia tem 15 reatores nucleares, um de investigação e Chernobil. Se houver bombardeamento num deles significa ter novo Chernobil ou Fukushima. Em todos, selámos a morte. A Rússia, alegadamente, tem seis mil ogivas nucleares. Os EUA mais de três mil. É neste tabuleiro que está o jogo. Zelenski, vaticinava a sua presidência: “eles primeiro jogarão lama sobre mim, depois respeitar-me-ão e depois chorarão quando eu sair”. O tempo está a sublinhar as palavras. Sobreviva ou não, já tem o Olimpo nos olhos. Afinal de contas, “o riso é uma arma fatal para os homens de mármore”, respondeu a Bernard-Henri Lévy, quando o ensaísta o questionou sobre como poderia Putin levá-lo a sério. Slava Ukraini.
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