O preço da transparência
Ideias
2024-05-27 às 06h00
A democracia liberal é o melhor dos regimes, encontrando sempre formas novas para lidar com as suas ameaças. As últimas décadas, contudo, colocaram desafios inimagináveis às democracias. Com a generalização das redes sociais e o subsequente desvio das receitas publicitárias dos órgãos de comunicação tradicionais, a informação passou a chegar às pessoas de uma forma nova, sem a mediação do jornalismo e, como tal, vulnerável às maiores distorções possíveis.
Numa reação à diminuição dos rendimentos, os jornais evoluíram para modelos de subscrição paga que deixam à porta da informação todos aqueles que não têm capacidade (ou, por vezes, vontade) para pagar uma assinatura. E onde se informam agora as pessoas? Uma imensa maioria constroi a sua ideia do mundo nos curtos vídeos do TikTok e do Instagram que frequentemente não são mais do que intencionais caricaturas da realidade; nos tweets altamente polarizados porque geram mais interações; nas histórias falsas ou exageradas do Facebook; e na informação transformada em entretenimento pelos canais informativos e generalistas que existem.
Os factos que deveriam gerar reflexão acerca dos caminhos que queremos seguir num futuro próximo são muito complexos e aborrecidos.
Em alternativa, os vídeos ultra-curtos assentam na hipersimplificação de tudo com “soluções fáceis” que não resolvem absolutamente nada. As publicações ultra-curtas do Twitter assentam na galvanização das claques de uns e de outros, deixando cada vez menos margem para um debate que permita aceder ao racional que fundamenta visões opostas de forma a contribuir para consensos políticos.
As televisões, conscientes de que o aborrecimento informativo não rende audiências, apostaram no mercado das emoções. Os programas das manhãs e das tardes transformaram-se em muros de lamentações de um mundo muito mais assustador e sombrio do que o mundo real. Os programas de debate da atualidade desistiram de fornecer uma visão equilibrada dos factos complexos para apostarem de forma despudorada em formulações parciais e sectárias que alimentam as emoções dos prós e dos contras com a mesma força pavloviana que os debates do Twitter. Os painéis de comentadores estão profundamente desequilibrados em termos de representatividade do espectro político e social. A despreocupação das televisões com a equidistância necessária à democracia é tão despudorada que até se substitui a subjetividade das palavras pela objetividade dos números. Há comentadores na SIC e na CNN Portugal que já sabemos como vão avaliar a prestação de cada candidato antes dos debates acontecerem.
As consequências da desinformação são imensas. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, quase metade dos americanos acham que a economia está péssima e que o desemprego é elevado e causado por uma imigração descontrolada. Na verdade, a economia bate recordes e o desemprego está nos níveis mais baixos dos últimos 30 anos. A juntar a isso, todos os dados demonstram que os países com maior imigração têm melhores resultados económicos.
Apesar do discurso comiserado acerca dos perigos do trumpismo, da desinformação, da xenofobia ou da homofobia que dominam a extrema direita americana e europeia, a verdade é que a direita moderada não os combate com a mesma força e determinação com que combate os pretensos perigos do “socialismo”. Pior, a direita democrática tende a encolher-se diante da eficácia desses discursos e adopta-os de forma dissimulada para conquistar o poder, movendo o centro político para a direita.
A título de exemplo, vejamos a dificuldade que o Presidente da Assembleia da República teve para afirmar que o discurso da extrema direita sobre os turcos era, evidentemente, xenófobo. Vejamos a quantidade de colunistas que preferiram escrever parágrafos e parágrafos para defender o direito ao discurso xenófobo dos fascistas sem gastarem mais do que uma frase a destacar os seus perigos. Vejamos tantos que dizem recusar discursos anti-imigração mas não conseguem falar de imigração sem exorbitar os seus problemas.
A Europa tal como a concebemos e conhecemos ao longo das últimas décadas está em perigo. A extrema direita quer romper com o pacto político que permitiu a mais extraordinária evolução económica e social do velho continente. Por falta de comparência no combate e na explicação dos perigos dos discursos xenófobos, homofóbicos e anti-emigração junto do seu próprio eleitorado, a direita moderada tem sido progressivamente substituída pela extrema direita nos Estados Unidos e na Europa.
Votar é a solução. Combater de forma aberta e destemida a extrema direita é o antídoto. Que nestas eleições não esqueçamos os métodos, os discursos e as políticas que conduziram a Europa às suas maiores tragédias.
17 Março 2025
17 Março 2025
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