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Vendedores de (des)ilusões

Segurança na União Europeia: desafio e prioridades

Vendedores de (des)ilusões

Escreve quem sabe

2025-01-10 às 06h00

Jorge Dinis Oliveira Jorge Dinis Oliveira

Sou reservado, pacificador, um tanto insosso, mas, devido ao meu cepticismo, ocasionalmente torno-me desagradável e sou percepcionado como ‘sabidolas’. Apenas porque sei, e verbalizo, que os minerais não têm propriedades mágicas; que os sumos ‘detox’ são desnecessários para quem tem intestino, fígado e rins; que a água ou dietas de pH básico não alteram o pH do nosso corpo; que o vedor não tem capacidades sobrenaturais para encontrar água subterrânea; que a astrologia, uma construção humana, em nada condiciona a nossa vida; e que, pasme-se, não existem maus-olhados nem videntes com poderes para os desfazer. Quanto aos maus-olhados, acreditem no que vos escrevo: infelizmente não funcionam. Já lancei muitos, sem sucesso, especialmente a virtuosos. Termino por aqui – para não correr o risco de soar pedante – a lista de coisas que sei.
Não existem videntes, verdadeiros ou falsos; existem, isso sim, pilantras e pessoas que, pela sua fragilidade e ingenuidade, acreditam em tais vis criaturas. É sempre a mesma ladai- nha!
Alguém, enfrentando dificuldades financeiras ou problemas de saúde, próprios ou de um familiar, recorre a um vidente na esperança de que este o possa ajudar a inverter a situação. Mais vale uma boa esperança do que posse precária, mas quem vive só de esperanças de desenganos morre.
Partilho convosco esta diatribe porque foi noticiado, no passado dia 2 de Janeiro, no Jornal de Notícias, um caso com requintes de malvadez e crueldade. Os ‘falsos videntes’ (há verdadeiros?!), em negócio familiar, abordavam as vítimas junto a hospitais. Concordarão comigo que, excepto nas idas à ala da maternidade, as visitas aos hospitais raramente são prazerosas, e torna-se mais fácil identificar pessoas em estados de fragilidade.
Os ‘falsos videntes’ terão conseguido extorquir às vítimas, 11 senhoras com mais de 60 anos, pelo menos 300 mil euros. Pior cego é aquele que não quer ver, mas compreendo que pelos nossos até a Alma venderíamos, e por isso caíram na cantiga de promessas de quebrar maus-olhados.
Parece-me, e bem, haver uma aceitação generalizada de que este caso é uma burla e de que os ‘falsos videntes’ são vistos como criminosos. Mas a culpa deste caso será apenas individual ou também colectiva, nossa enquanto sociedade?
Muito nos divertem e muito toleramos estes videntes, ora associados ao futebol, ora enquanto visitas regulares em programas de televisão.
Se, enquanto sociedade, permitimos a presença incólume de bruxos, cartomantes e videntes na televisão; a divulgação diária da astrologia em todos os meios de comunicação social; a venda de produtos homeopáticos nas farmácias; ou a existência de práticas pseudocientíficas regulamentadas pelo Estado, podemos condenar, moralmente, estes ‘falsos videntes’?
Onde traçamos a linha entre a burla e o ‘mal não faz’ ou ‘o que importa é acreditar’ ou ‘comigo funcionou’? As senhoras não entregaram o dinheiro voluntariamente? Foram coagidas? Se acreditam em videntes, quem sou eu para impedir que elas lhes entreguem todas as poupanças de uma vida?
Com o mal dos outros posso eu bem, mas incomoda-me a excessiva tolerância para com videntes, vedores, homeopatas, acupuntores, astrólogos, taró- logos e outros vendedores de, à falta de melhor palavra, (des)ilusões.

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