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Uma seta para Meca

O preço da transparência

Uma seta para Meca

Ideias

2021-06-21 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

Na Arábia Saudita, a oração é um dos pilares basilares da sua cultura e religião. Pelo menos 5 vezes por dia, os árabes cultivam a sua fé, colocando em suspenso qualquer atividade ou trabalho em curso. A palavra “quibla” representa “direção” e toda a oração deverá dirigir-se para Meca, nomeadamente para o santuário de Caaba. Saber reconhecer para onde se deve rezar nem sempre é tarefa fácil. No hotel em que permaneci durante as deslocações em trabalho, reparei na existência de simbologia orientadora para Meca. Nos quartos, por exemplo, encontravam-se setas pintadas no canto do teto, indicando-nos o caminho certo. Os quentes e abafados dias repetem-se diariamente, sob o horizonte que se mescla de denso pó do deserto e diversas tonalidades de vermelho e amarelo. Habituei-me a acordar com o chamamento (“adhan”) do muezim, voz projetada pelos diversos holofones da principal avenida Cornishe. Paulatinamente, este chamamento tornou-se o meu verdadeiro aliado, um atento e fiel despertador para as diversas reuniões de trabalho que se almejavam exigentes.
Hoje, devido à ainda atual situação pandémica, não me encontro por lá fisicamente, mas continuo abraçado digitalmente a um complexo projeto que começa bem cedo, em horário árabe. Durante o chamamento da tarde (denominado por “Asr”) pausamos a reunião. Foi curioso, mas metade da equipa pediu autorização para rezar. Nenhum dos presentes exigiu pontualidade no regresso, e cada colega teve o tempo que achou necessário para este importante intervalo de cariz religioso.
Durante esta pausa, aproveitei para encher a chávena com café e sentar-me na varanda da sala. Recordei então uns colegas suiços e ingleses que conheci num projeto em Inglaterra. Todos eles eram convictos engenheiros e defensores da extrema pontualidade. Os colegas suiços eram tão precisos e pontuais quanto a qualidade espelhada nos seus relógios de marca Blancpain. Nunca se atrasavam para nada. Os ingleses, por outro lado, nem sempre eram tão precisos como se julgavam, mas gostavam de enaltecer a pontualidade britânica como a fundação da sua cultura e duramente criticar quem se atrasasse a certos eventos.
O tema da reunião de hoje foca-se, curiosamente, na definição de medidas de desempenho dos fornecedores, nas métricas “pontualidade” e “qualidade das entregas” dos fornecedores (conceito denominado por OTIF – acrónimo para On Time In Full). Pretendem-se esclarecer os critérios adotados pela organização para avaliar os níveis de serviço oferecidos e, posteriormente, analisar o desempenho dos fornecedores da companhia nos últimos dois anos. As medidas OTIF são extremamente importantes no contexto logístico, mas nem sempre são bem implementadas ou exploradas. Não só permitem antecipar potenciais ineficiencias de alguns processos operacionais (tais como lacunas no processo de agendamento de entregas, planeamento e níveis de stock) como também reconhecer padrões e/ou tendências interessantes no comportamento de alguns fornecedores.
Os meus colegas foram chegando sem pressa de retomar a agenda da sessão, certos de que o chamamento do seu Deus se sobrepõe a qualquer relógio de bolso. Mais focados, mais serenos e mais motivados pedem para prosseguirmos a reunião, remontando exatamente ao momento em que a interrompemos. Na verdade, a sua predisposição no regresso transfor- mou os minutos “perdidos” na oração em minutos “ganhos” com mais e melhores soluções após a mesma.
Termino, embrulhando o leitor em reflexões em torno da pontualidade, da flexibilidade, do respeito pela pluralidade cultural, na certeza de que o tempo escasseia para aprofundar cada um deles.

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