Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2020-11-23 às 06h00
Não sei se alguma vez uma máquina poderá filosofar ou escrever um belo poema. Mas, depois de ter presenciado no passado dia 19 de novembro o evento «Literatura e Filosofia», iniciativa organizada pela biblioteca Lúcio Craveiro da Silva, não me restam dúvidas de que a filosofia e a literatura terão um papel cada vez mais essencial nas ciências futuras. Durante a conferência, foram apresentadas algumas reflexões e troca de opiniões sobre diversas temáticas aprofundadas pelo pensamento intelectual. Explorou-se a importância de se compreender na totalidade a essência das coisas, a natureza e a vida, enaltecendo-se a atual erosão do homem na procura dessa sabedoria. “O filósofo jurou que a figuração é um modelo da realidade”. Retirada do mais recente romance do professor e linguista José Moreira da Silva, “Sete traços numa parede nua”, e proferida pela diretora da instituição promotora, Aida Alves, esta afirmação deu o mote para a abertura da sessão. Relembrando a figuração do mundo por Wittgenstein, introduziu as excelentes exposições do Dr. Manuel Curado (do Departamento de Filosofia da Universidade do Minho) e do Dr. Renato Epifânio (do Instituto de Filosofia da Universidade do Porto), posteriormente comentadas pelo próprio linguista e autor do livro.
No seguimento desta troca de opiniões e reflexões filosóficas e literárias, prezei escutar sugestivas intervenções de participantes de diferentes áreas profissionais, tais como da engenharia informática, na qual também me enquadro. Mencionou-se o tema «inteligência artificial», por exemplo, remetendo-se por momentos a discussão para os cyborgs, relembrando-se o filme <
Penso, com naturalidade, nas possíveis inovações vindouras, em particular em redor deste assunto tão delicado e controverso dos ICM. Conjeturo uma computação cada vez mais consciente, é verdade. Imagino, por exemplo, a possibilidade de nos proporem introduzir no cérebro dos nossos filhos um dispositivo deste tipo imediatamente à nascença. O objetivo deste processo será, porventura, idêntico ao congelamento de células-tronco do sangue do cordão umbilical. Neste caso, a promessa de se preservarem, ao longo da vida, dados cerebrais que poderão ser úteis para uma eventual necessidade futura. Recordo António Damásio e o «Erro de Descartes», o cérebro trespassado por uma barra de ferro. Creio nesta proposta vindoura, e na possibilidade de se restaurarem certas zonas do cérebro através da recuperação de dados guardados ou até a transposição dos mesmos para um componente robotizado consciente. Pensar nestas possibilidades é vislumbrar, em cada um de nós, uma impressão digital neuronal. É imaginar também uma rede de milhões de cérebros ligados entre si através de endereços únicos, cuja informação poderá ser telepaticamente transmitida através de cliques neuronais.
Parece mesmo um filme de ficção, sinto-o. Mas, o caminho traçado pelas tecnologias é tão fascinante quanto assustador. Vejam-se, por exemplo, equipas de marketing, pedindo autorização para aceder e rastrear certas zonas do nosso cérebro a fim de enviar anúncios diretamente para o mesmo. Consequentemente, imagine-se o nosso cérebro a ser vítima de um ataque cibernético e que a lei da proteção de dados terá de ser um dia revista à luz deste novo fenómeno.
Regressando à sessão sobre filosofia e literatura, indago-me, inquieto, sobre as seguintes questões: será esta simbiose entre máquina e cérebro a única forma de evitarmos a erosão do homem e transcendermos as nossas limitações como humanos em áreas como a filosofia e a literatura? Será este, afinal de contas, o caminho traçado pelo próprio homem para o fim da nossa humanidade? Ou será esta uma nova realidade cuja figuração e modelo terão também de ser reajustados?
*com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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