Bibliotecas de Leitura Pública com rosto
Voz aos Escritores
2023-01-27 às 06h00
Fui à infância e aprendi o sabor da amora.
Fui ao fundo de mim e fiz-me professora.
Não me farto de repetir o quanto gosto de ser professora. Gosto, particularmente, quando os olhos dos meus alunos encontram os meus, e escutam, com entusiasmo, aquelas histórias da vida real que descrevem os costumes e as tradições locais de uma forma peculiar.
Podem achar que exagero, que não será bem assim, que todas as escolas são iguais e os alunos iguais em todas as escolas. Pois aí é que os meus leitores se enganam, e eu vos direi porquê.
Para contar uma história na minha escola, como na escola no centro da cidade ou noutra mais afastada, não é preciso dar muitas voltas ao quarteirão. É preciso, isso sim, ser um livro aberto, pronto a contar a própria história. Esta é não só uma autêntica e reconfortante viagem pela vida de uma professora quase a cumprir a sua derradeira etapa, mas também uma caminhada introspetiva capaz de desvendar o valor da vida e de dedicação aos outros. Por vezes, o entusiasmo é tanto que salto páginas. Outras vezes, volto atrás – e volto atrás muitas vezes – para ter a certeza de que os alunos estão a acompanhar a história que conto. Tal como os livros, guardo em mim tantas vivências que quase se atropelam ao saltarem das gavetas das memórias. Para as acalmar, sublinho as partes mais importantes e repito palavras, que sei de cor, porque há coisas na vida e nos livros que não podemos esquecer. Por isso, gosto de ilustrar as minhas histórias com exemplos, com recordações, com experiências de vida, com segredos e revelações, com sorrisos e gargalhadas e com sonhos.
São estes ingredientes que dão cor a cada história, tal como a vão dando à minha vida. Não me canso de as repetir ano após ano, turma a turma. Tenho a sensação que quanto mais conto, mais vivo, pois as “páginas” soltam-se em mim e enchem o coração dos meus alunos de emoções e de lembranças. As páginas soltam-se apenas para que cada um dos meus alunos possa guardar a sua. A minha história espalha-se por muitos corações e haverá sempre, em cada um, palavras minhas. Palavras minhas bordadas com as emoções sentidas e abraçadas por milhares de jovens corações. E são tantas as vezes que me esforço por me colocar no lugar do outro, no erro do outro, tentando ver para além do básico, para além do desentendimento e da incompreensão, para além da impaciência, para além da intolerância.
A todos os meus alunos devo a história mais gratificante da minha vida. Devo-lhes o facto de me darem força para me levantar cedo, quando me apetece ficar na cama.
Por outro lado, estou grata por me terem ajudado a perceber por que razão, às vezes, não podem fazer os trabalhos de casa, por precisarem de fazer outras coisas. Quero dizer-vos que sinto imenso orgulho em vós e penso, nesses instantes, na lição de humildade que me dão. Ajudam-me a perceber as aprendizagens que se fazem fora da escola e que nos tornam mais resilientes e lutadores. Olho para vós, adultos mais cedo, com uma grande admiração. Sei que irão longe.
Não podemos ignorar que a mudança na educação tem sido realizada a partir da tecnologia, como é o caso das tecnologias digitais, com a capacidade de exponenciar os recursos educativos. Contudo, nenhum recurso educativo, por mais inovador que possa ser, pode substituir as frases inspiradoras que me trazem no início de cada aula. E por terem elevado o nível quando começaram a trazer, além da frase de outros, as frases por vós construídas. A isto chama-se fazerem as ditas aprendizagens significativas. Que aprendizagens tão úteis para a vossa vida académica e profissional! Também por terem aceitado o desafio de trabalhar sempre com pessoas diferentes, mesmo que ao princípio preferissem trabalhar só com os amigos. Por isso vos agradeço todos os dias.
Por me chamarem a atenção quando os objetivos das atividades não são claros e quando são demasiado ambiciosos para o tempo disponível. Por conjugarem comigo o verbo exigir e por aumentarem a fasquia da criatividade.
Por vós, quero ser aquilo que mora no meu coração. Quero aprender. Não quero perder tempo desnecessário a preencher papéis que ninguém lê e que ninguém preenche a não ser por profunda obrigação.
Sei que é um grande desafio. É um regalo ver-vos crescer. Sinto-vos mais preparados para a vida.
Também eu sou hoje melhor professora porque de vós recebi o estímulo e porque não passei por este desafio sozinha. Porque vos tive a meu lado, a caminhar para um futuro cada vez mais mutável, incerto e inesperado.
Volto amanhã com outra história.
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