Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2018-10-29 às 06h00
Aquele livro já não era novo. Repousava na nossa antiga casa, numa das últimas prateleiras do corredor, junto a outros tantos. A memória projeta-se no romance «A Rosa do Adro», de Manuel Maria Rodrigues, na capa ligeiramente roçada e impercetível, na aspereza do papel no seu interior, no seu cheiro a mofo e em algumas notas a grafite, reminiscências do entusiasmo genuíno que senti quando mo ofereceram. Na verdade, esse entusiasmo estendeu-se durante toda a leitura, facto que permitiu preservar memórias.
Os romances são vidas segundas, vidas paralelas, como diz Orhan Pamuk em «O Romancista Ingénuo e Sentimental». Quando lemos um romance, concentramos toda a energia nele, não na tentativa de avaliar todo o texto ou de compreendê-lo logicamente, mas de criarmos galerias de imagens claras e detalhadas na nossa imaginação, e de nos situarmos nessa galeria de imagens, abrindo os nossos sentidos a todos os seus diferentes estímulos. Será que um romance ou qualquer outro tipo de narrativa consegue gerar os mesmos estímulos cognitivos, motores e sensoriais se for lido em formato eletrónico? Poderemos afirmar que a experiência na leitura, a nossa aprendizagem, a memória e até o sono são impactados da mesma forma? Existirão narrativas mais propícias do que outras a causarem os mesmos impactos no formato impresso ao invés de qualquer outro formato digital? Será que editoras, livrarias e consumidores, consideram todos estes fatores no momento da seleção e distribuição das suas coleções digitais?
De acordo com o portal Statistica, durante 2018, espera-se que as vendas de livros eletrónicos representem cerca de um quarto das vendas globais de livros. Nos EUA estima-se também que o mercado de livros eletrónicos consiga atingir aproximadamente 20 mil milhões de dólares em 2018 e 20% dos americanos dizem já ler mais livros digitais que livros impressos. A Amazon, por exemplo, em janeiro de 2016 vendeu mais de 517.5 mil unidades por dia. No Reino Unido, por outro lado, e segundo o The Gardian, houve uma diminuição de 17% em 2017, sendo o principal fator mencionado a fadiga causada pelos monitores e também o facto de, para muitos livros digitais, ser necessário um leitor específico para a leitura de determinados formatos, o que obriga à sua compra prévia. Noutros artigos, foi mencionado também que livros para crianças, bibliografias, ficções, romances, seriam livros mais propícios ao consumo em formato impresso, enquanto que dicionários e até jornais, revistas, ou manuais teriam cada vez mais espaço no mundo digital.
Pensamos ainda na poesia e na forma como o leitor se posiciona enquanto recetor de mensagens que mobilizam a emoção e o sentimento. Onde buscar num ecrã o cheiro e a aspereza do papel, a sua cor que, muitas vezes, implica e justifica estados interiores?
Acreditamos que os livros impressos continuem e devam coabitar, cada vez mais, com os livros digitais. Os intervenientes da cadeia agradecem, porque existem vantagens para todos em ambos os segmentos e oportunidades ainda por explorar com novos modelos de negócio. O instinto e os diversos estudos nas áreas da psicologia e da psiquiatria, nomeadamente em áreas relacionadas com o sono e a fadiga, levam-nos a opinar e a acreditar que todo o tipo de livro que requer maior capacidade de memorização e concentração — aquele que nos espoleta estímulos constantes — deverá merecer sempre o seu cantinho material e até sentimental. Deveremos então avaliar convenientemente se devemos comprar ou não um livro digital em detrimento de um físico, especialmente se quisermos ler um bom romance e preservá-lo na memória para a nossa eternidade.
* Com JMS
10 Outubro 2024
08 Outubro 2024
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