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Escreve quem sabe

2023-10-12 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

«A TSF Rádio Jornal não nasce contra ninguém e não está ao serviço de ninguém. Aqueles que vão protagonizar aqui, todos os dias, vão fazer apenas e tão só jornalismo, animados de um grande sentido profissional e de uma inesgotável paixão pela rádio.»
Emídio Rangel – Fundador

A amada rádio sangra. Está esventrada de desilusão. Fede o ar que a envolve. O olhar tem mirrado nos últimos anos por culpa de quem manda. Mãos que carimbam um postigo cada vez mais largo de solidão. Muitos já viram a porta de saída. Sem dó. Outros resistem com pouca crença no amanhã. São estes os dias da Telefonia Sem Fios (TSF) até que o microfone doa.
Aconteceu há dias. Pela primeira vez em 35 anos. Uma greve de 24 horas, com adesão total, serpenteada pelos acordes de Carlos Paredes. Um trovão sem luz salpicado, de tempos em tempos, com a voz do Deus da rádio. As palavras de Fernando Alves, já fora deste fado, foram o badalo de uma marcha fúnebre condicionada. Exige-se respeito que combata os salários em atraso, demora nas negociações de ajustes à inflação e afastamento do diretor ao arrepio da lei.
O silêncio do jornalismo sem fios deve obrigar a repensar que sociedade é esta que deixa à mercê de alguns engravatados, oleados pelo sol de Saint-Tropez, o poder de dar e voltar a dar, mexer e remexer, em temas como isenção, rigor e nobreza de valores.
Ver os cartazes içados pelos trabalhadores da TSF foi mais que um murro no estômago. Foi sentir o tricotar da minha juventude. Um chupar inclemente espelhado nos olhos ímpios dos profissionais que carregam slogans como «A paixão da rádio», «Tudo o que se passa, passa na TSF» e «Por uma boa história vamos ao fim da rua, vamos ao fim do mundo».
Este ataque ao coração da rádio – os noticiários – não é de agora. A resistência dos jornalistas estava no osso. Os últimos tempos têm sido penosos. Os melhores, quase todos, tiveram de partir. Uns continuam na área, outros estão espalhadas por caminhos onde pouco ou nada acrescentam.
Esta falta de memória trava o ânimo e amplia a descrença de quem não negoceia a democracia. Não obstante, a greve é resistência. Uma luta pela autonomia editorial e pelo jornalismo sem amarras, longe dos poderes político e económico. Uma irredutível liberdade. Inegociável na crise que impera no modelo de negócio da comunicação social. Uma agrura onde o jornalismo tem sido presa fácil. O declínio acentuou-se em 2008 com a conjuntura económica e financeira. A publicidade diminuiu bem como o financiamento ao modelo de gestão das empresas de comunicação social, anestesiado pelos grandes grupos económicos.
Única rádio de informação privada na Europa, a TSF aparece no dia mais singular de 1988 - 29 de fevereiro. Antes, a 17 de junho de 1984, já tinha lançado a primeira emissão pirata (102 Mz) no alto de dois prédios – Lumiar e São João da Caparica – difundida em emissores artesanais, construídos em segredo por um engenheiro holandês. Uma pedrada no marasmo que gravitava em Portugal, sem rádios locais, sem televisões privadas e jornais, na sua maioria, presos ao Estado. A coragem – decisiva para o Parlamento criar a Lei da Rádio – deixou escola. Todos queriam ser TSF. Um selo de prestígio que perdurou largos anos.
Ainda recordo a primeira vez que entrei no mundo desta rádio. Foi na Avenida de Ceuta, em Lisboa, no início dos anos 90. Tudo foi espanto. Um fascínio saído das bocas de Manuel Acácio, Rui Lameira e da personagem que mais queria conhecer. Com ele, os meus breus eram deslumbre saído do «Postigo da noite», programa imortal que povoou as madrugadas da caminhada académica.
Lê-lo, há dias, que «não fazia mais sentido» permanecer na casa da rádio «para estar a aturar o que penso que está a acontecer», é entreouvir o último voo da pomba. Um zumbido sem mar deste pescador de estórias que tanto deu aos amantes da palavra.
Hoje o jornalismo vale menos. Um declive que suga quem anda tem força para burilar e aprisiona os que têm de desistir em nome do pão que tem de ser colocado à mesa. Madrasto tempo este que vê zarpar os fazedores e acaricia aqueles que exercem o poder da porta fechada, do lamber da bota, da saia que tende a subir, do fechar de página sem ver a luz do dia ou o luar da madrugada. Que democracia é esta onde o contraditório é cabra do monte que deixamos à mercê do atirador?
Enquanto não esvaziamos a força dos últimos, resta pugnar pelos olhares que não vergam. Há poucos, mas ainda existem. São eles que me fazem caminhar em direção a um quiosque, a ligar a rádio e a parar no botão do noticiário televisivo. Por eles, acordo com a palavra da telefonia. Por eles, deito-me a espantar o ruminar, tantas vezes silencioso, que pede desistência. Um dia destes volto a falar desta agonia. Por eles.

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