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Três em linha para uma sardinha

Assim vai a política em Portugal

Três em linha para uma sardinha

Ensino

2024-07-18 às 06h00

Alexandra Nobre Alexandra Nobre

Estamos no tempo delas, das sardinhas. Diz “quem sabe”, que a melhor altura para comer sardinha é de Maio a Outubro - Sardinha de S. João pinga no pão. Por outro lado, “quem sabe” também diz, “Se quiser mal à vizinha dê-lhe em Maio uma sardinha”. Em que ficamos? Ora a sardinha alimenta-se principalmente de zooplâncton, mais frequente quando as águas superficiais aquecem. E quanto mais comida, mais a sardinha engorda, claro! Assim, dependendo do alimento, dos ventos e das correntes marítimas, entre outros, não é raro que em Junho, pelos Santos, a boa da sardinha a pingar no pão seja uma miragem, concretizada apenas lá para Julho ou Agosto. Este peixe gordo (nos meses de Verão 10% do seu peso são lípidos), rico em gordura saudável (ácidos gordos poli-insaturados), é ainda fonte considerável de proteínas, vitaminas (A, B12, D e E) e sais minerais (zinco, ferro, sódio, cálcio, iodo, magnésio, selénio).
As sardinhas são peixes costeiros ou pelágicos (encontram-se até 200 metros da costa) e gregários, que migram em grandes cardumes para melhor se defenderem de predadores tão diversos como aves marinhas, golfinhos e peixes de porte grande. Estas manchas de muitos indivíduos pequenos comportam-se como um só, gigantesco, numa dança fluida e síncrona, regulada pelos sentidos (visão e audição) e por um sistema “topo-de-gama” de canais sob as escamas (sistema de linha lateral), que detecta variações ínfimas de pressão na água. Em Portugal consome-se a sardinha-comum, sardinha-europeia ou verdadeira-sardinha (Sardina pilchardus), pescada maioritariamente pela arte do cerco, no Atlântico Nordeste e Mar Mediterrâneo (noutras latitudes e no Pacífico encontram-se espécies diferentes, pertencentes ao género Sardinops). Cada fêmea liberta 20 000 óvulos por época de desova e os gâmetas que se desenrasquem (que é como quem diz, a fertilização é externa). Uma pequena fracção resulta em ovos. E dos ovos formados, apenas 15% sobrevive até à eclosão. Sendo uma espécie de longevidade moderada (vive em média 7-8 anos, mas pode chegar aos 14) e amplamente dependente de factores ambientais, a sardinha é caracterizada por uma grande variação em abundância e recrutamento (indivíduos jovens acrescentados anualmente às reservas), o que a torna um recurso piscícola difícil de gerir.
Segundo dados da Direcção Geral das Pescas e Aquicultura, em 2009 a sardinha representava cerca de 40% do peixe desembarcado em Portugal. Somos o país da União Europeia que mais peixe consome per capita e para isso muito contribui a sardinha, para além do bacalhau (ambos símbolos da gastronomia portuguesa). Em Junho, no mês de pico das festas e arraiais, consomem-se em Portugal 15 sardinhas por segundo o que dá mais de 50 000 por hora. E a tradição vem de longe. Já no “tempo dos romanos” a sardinha viajava em ânforas, da Ibéria para todo o império, salgada, fumada ou seca. Há vestígios arqueológicos de tanques de salga em Lisboa (Olisipo), em muitos locais no vale do Tejo e na península de Setúbal (aliás, local onde bem mais tarde, no século XIX, começou a laborar a primeira fábrica de conservas de sardinha). A sardinha está ligada à história da capital. As varinas que em Lisboa apregoavam a sardinha pelos bairros populares, “descendem” de pescadores da zona de Aveiro/ Ovar e das suas mulheres, ovarinas (perdeu-se o o), uma comunidade piscatória que se estabeleu na Madragoa, no século XVIII. E uma sardinha para três em tempos de guerra e de fome? Sim, três em linha para uma sardinha já que ela era assim sequencialmente dividida. Uma divisão com requinte e mestria que denunciava a grande sabedoria deste acto, executado com precisão quase cirúrgica. Da cabeça até à barbatana dorsal para um (o mais precisado), daí até à barbata- na anal para outro (geralmente o que mais trabalhava), e por fim, o rabo para o menos exigente em esforço. Cada um puxava a brasa ao seu terço de sardinha, e nada se deitava fora, nem mesmo a tripa.
Não posso terminar sem vos dar conta de uma minha inquietação. A mulher e a sardinha querem-se da mais pequenina. Que raio! Mas porquê? Isto faz algum sentido? Teria eu 3 ou 4 anos, vestiram-me de Nazaré para a festa da escolinha e lá rodei eu as sete saias enquanto cantava “Se a petinga cai na rede descuidada/ Vai encher o galeão / Ela é viva, prateada / Aos saltinhos pelo chão.” Saltava eu alegremente sem consciência do que dizia e “saltavam” as sardinhas bebés em agonia tentando voltar ao mar para escapar à asfixia. A petinga, sardinheta ou sardinha-de-criação corresponde a sardinha muito pequena, ainda no seu primeiro ano de vida. Uma sardinha adulta atinge 27 cm de tamanho máximo, variando entre os 15 – 20 cm aos três anos de idade e sendo o tamanho mínimo de captura, de 11cm. Já vi à venda petinga bem menor. Perdoa-se o mal que (se lhe) faz pelo bem que sabe? Acham mesmo que sim?

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