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É triste explicar um poema?

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É triste explicar um poema?

Voz aos Escritores

2024-12-13 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

É bem conhecido o poema de Hilda Hilst que nos diz ser triste explicar um poema, triste e inútil, pois um poema não tem explicação. E acrescenta-se: é como um soco que faz cair as nossas máscaras. Se formos atingidos pelo soco, isto é, pelo poema, beberemos e seremos felizes. Alguns, tendo compreendido o poema, dizem-se atingidos. Outros, sorrindo da agressão, esquivam-se da melhor maneira possível. Para evitar alguns equívocos, convém lembrar que «poema» e «poesia» não são sinónimos perfeitos. Um poema é um texto que pode ter poesia; a poesia é essência que pode ser sentida num poema, mas também na pintura, na música, na natureza, na própria vida. Há «poemas» que nos fazem gritar «ó da guarda!», assim como há bananas coladas na parede e vendidas por milhões. Pode um poeta, evidentemente, dizer que é triste explicar um poema. Ao afirmá-lo, podemos depreender que está triste quando o escreve, e que não será necessário explicar essa tristeza. Pode também o poeta afirmar a inutilidade da explicação, ou, de forma mais avançada, a inutilidade da sua própria arte. Discussões em torno deste tema ocorrem aos milhões e ocorrerão, deseja-se que felizmente, até aos fins dos tempos. Podemos ainda aceitar a metáfora comparativa, e confirmar que sim, um poema pode atingir-nos em cheio num momento de debilidade ou de ternura, e transformar-se em algo inesquecível. Talvez, acontecendo, o poema tenha sido perfeito para nós.
Lembro Roman Jakobson e as suas funções da linguagem, entre as quais se destaca a função poética. Tenho presentes, na análise textual, os pressupostos da crítica estruturalista e as propostas do new criticism. Cogito na ideia de T.S. Eliot de que o poeta não deve elaborar um poema com base nas suas emoções, mas em constantes universais. Fixo-me no sistema educativo português, no lugar e na importância da literatura e das artes em todo esse sistema, nos professores que usam a língua nos seus diversos registos, nos professores de língua portuguesa e de literatura, que supostamente utilizam o texto literário (poemas também) para relevarem a importância de códigos e estilos na compreensão da cultura e na apreensão de emoções e sentimentos, Não posso esquecer, é impossível fazê-lo, Luís de Camões, Garrett, Bocage, Cesário Verde, Antero de Quental, Fernando Pessoa, Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, e tantos outros poetas em que mergulhei olhos e coração, que me ensinaram que a essência poética decorre de múltiplas complexidades, advindas da palavra, da forma da sua representação, do significado e do sen- tido, isto é, do conteúdo. Foi assim que aprendi a ler poemas e a captar a poesia.
Ninguém dirá hoje, como o disse Platão, que a poesia é nociva, pois nos tira da realidade. Todos aceitarão que um poema pode tocar a harpa das nossas emoções e dos nossos sentimentos, pode levar-nos a sentir a beleza do amor e da vida. Para chegarmos a esse estádio de êxtase ou fascínio, porém, temos de ultrapassar a fase do conhecimento da palavra, do jogo entretecido entre a sintaxe e a semântica, do modo como, no texto, se esquematizam ou estruturam as ideias. Há poemas muito difíceis, ou que são mesmo impossíveis de explicar. Há poetas que, propositadamente, colam «poemas» na parede, como se fossem bananas comestíveis. Por outro lado, a ideia de que um poema é sempre triste, que o poeta só escreve em momentos de tristeza ou de angústia, ou, como o afirma Hilda Hirst, que é triste explicá-lo, conduz-nos, talvez, à ideia de que não é possível exprimir a alegria, a luz, a «ausência» da morte e da tristeza.
É missão do professor ensinar a ler um poema, a contactar com os grandes poetas, com o que denominamos cultura mais profunda. Explicar um poema nunca será um exercício inútil. Para sermos atingidos por um soco no ringue da poesia, precisamos de algum treino. Depois de bem treinado, qualquer pugilista é capaz de ultrapassar os seus medos e ser um vencedor. Quando um jovem for capaz de saltar para o ringue da poesia, receberá de bom grado o grande soco e, atingido, cairá inebriado.

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