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Ideias
2020-06-29 às 06h00
Nas últimas semanas, o debate em torno da formação de médicos voltou a estar no centro das atenções. O Ministro do Ensino Superior, à revelia de qualquer negociação com as escolas médicas, anunciou a possibilidade de abrir mais vagas para acesso aos cursos de Medicina. A medida, insuficientemente preparada, foi inicialmente anunciada para três escolas médicas e, posteriormente, alargada às restantes.
Sabemos que há algumas pessoas que ainda se deparam com problemas de falta de acesso aos cuidados de saúde de que necessitam e, por isso, a medida anunciada pelo Ministério até pode parecer uma boa solução. Mas não é.
O curso de Mestrado Integrado em Medicina tem a duração de 6 anos. Após o curso, os médicos sem especialidade podem exercer mas não podem, por exemplo, ser contratados para os serviços especializados do Serviço Nacional de Saúde (SNS). A formação para obtenção da especialidade médica dura entre cinco a sete anos, dependendo da especialidade. Durante esse período, os médicos (internos) trabalham nos hospitais tendo responsabilidades crescentes e realizando urgências, consultas e cirurgias com supervisão de médicos especialistas.
Os problemas que se verificam no acesso das pessoas aos cuidados de saúde no SNS estão relacionados com serviços especializados. Aumentar o número de vagas nas escolas de medicina não resolve esse problema dado que já existem vários milhares de médicos sem especialidade que não conseguem uma vaga para prosseguir a formação.
Alguns alegam que a Ordem dos Médicos tem uma atitude corporativa e limita o número de vagas disponíveis. Este argumento também não corresponde à verdade. Senão vejamos: em 2019, foi disponibilizado pelo Ministério da Saúde o maior número de sempre de vagas de especialidade. Ao contrário do que algumas pessoas pensam, não é a Ordem dos Médicos que decide: as vagas são identificadas pelos serviços do SNS e hospitais privados, sujeitas a um parecer técnico da Ordem dos Médicos e, posteriormente, decididas pelo Ministério da Saúde. Em 2019 abriram 1830 vagas de especialidade em Portugal e 7512 em Espanha – em proporção, Portugal abriu um número significativamente superior de vagas por habitante.
A formação de médicos especialistas em Portugal está no limite máximo. Como é fácil compreender, um cirurgião não pode aprender a operar se não existirem mais cirurgias no seu hospital. Um psiquiatra não pode aprender a diagnosticar e intervir terapeuticamente se atender um paciente numa sala com 10 estudantes e médicos em formação.
Os principais problemas do SNS são organizacionais e precisam de respostas políticas a esse nível. Atirar com mais vagas para as escolas de medicina (já no limite das suas capacidades formativas) apenas irá engrossar a lista dos médicos sem especialidade que, como já explicámos, não resolvem o problema das listas de espera.
Como a presente pandemia demonstrou, as Escolas Médicas são fundamentais para o país e não podem ser arredadas do debate acerca do futuro da Medicina em Portugal.
Na Universidade do Minho, por exemplo, a Escola de Medicina prosseguiu com a formação aos seus estudantes e ainda disponibilizou serviços de saúde às populações através do Centro de Medicina Digital P5, realizou mais de treze mil testes COVID19 através do ICVS, promoveu dezenas de projetos de investigação e participou ativamente na emissão de pareceres técnicos que, por exemplo, aconselharam o uso massivo de máscaras de proteção quando a Direção Geral da Saúde ainda não o tinha feito.
O ensino médico de hoje é determinante para a qualidade dos cuidados de saúde que iremos ter ao longo das próximas décadas. É também por isso que a Escola de Medicina da Universidade do Minho preparou uma reforma curricular que vai transformar o ensino da Medicina em Portugal. Ao ensino centrado no estudante somaremos uma formação centrada na pessoa, conjugando a sólida formação biomédica com a visão dos sistemas de saúde, a inovação das tecnologias digitais, a reflexão proporcionada pelas Artes e Humanidades e um extenso programa de formação em competências e gestos clínicos.
Mais do que aumentar o número de vagas nas escolas de medicina, aquilo as pessoas e o SNS precisam é de médicos formados com qualidade e de serviços de saúde melhor organizados e com maior capacidade de responder às necessidades das populações.
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