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Timor

As férias e o seu benefício

Timor

Escreve quem sabe

2022-06-12 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

Nunca fui a Timor e sinto que já pisei aquele chão. O elo deu-se a 12 de novembro de 1991 quando vi pela televisão o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Díli. Um brutal e cobarde tiroteio sem oportunidade de defesa sobre manifestantes pró-independência. Desde esse dia, em mim, a Indonésia passou a ser um esgoto de vestígios.
Vem isto à baila porque há dias foi içada a bandeira com 20 anos de liberdade. Convém não ter memória curta e lembrar que esta antiga colónia portuguesa, há escassas duas décadas, era o mais pobre país da Ásia e o décimo mais pobre do Mundo. A esperança de vida não chegava aos 60 anos. Quase metade da população vivia com menos de meio dólar por dia e mais de metade era analfabeta. Havia apenas 20 médicos timorenses. Hoje há mais de 1.200 espalhados pelo país.

Desde que largou a âncora portuguesa em 1975, Timor foi arrastado para a impiedade indonésia. O rasto de morte e repressão só estancou à custa da bravura de muitos. No batalhão sobressaíram nomes que cedo ganharam saliência. Xanana Gusmão, o mais cintilante. Ramos Horta, o prosador, e Ximenes Belo, então Bispo residente e administrador apostólico da diocese de Díli (1983 a 2002).
Este trio haveria de assumir um papel decisivo na construção e consolidação da democracia deste Estado-membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Muito contribuiu o impacto do Nobel da Paz atribuído, em 1996, a Ramos Horta e Ximenes Belo. Foi o rastilho para Xanana Gusmão, inolvidável líder guerrilheiro, assumir uma presidência conquistada a pulso. Porém, o tempo não embacia a cruel reação dos soldados indonésios ao resultado do histórico referendo (1999) por entre um cenário destrutivo causado pelas milícias integracionistas.

Com 1,3 milhões de pessoas, Timor é hoje um dos mais jovens países do Mundo, com a maioria da população nascida após a ocupação indonésia (mais de 60% tem menos de 20 anos). As infraestruturas em educação, saúde e comunicações dispararam, em grande parte à custa do Fundo do Petróleo – maior vigor irá acontecer quando houver acordo com a Indonésia na exploração de recursos provenientes do mar. Para termos uma ideia, basta dizer que há 20 anos a energia elétrica ainda não chegava a toda a cidade de Díli, agora já está em quase todo o país. Multiplicaram-se centros de saúde e escolas, do básico à universidade. Perto de 1.200 alunos frequentam a escola portuguesa na capital de Timor-Leste. Desta fornada há, de quando em vez, espanto como o que aconteceu por estes dias ao ser anunciado que um aluno timorense do 7.o ano foi o terceiro classificado entre mais de 50 mil estudantes de todo o Mundo num concurso internacional de cálculo matemático.

Não obstante este trilho luminoso, Timor ainda padece. São dores que custam a sarar. Cicatrizes que pedem tempo. O legado indonésio mirrou o desenvolvimento. Não estranha que haja 40% de pobreza extrema e um alto volume de subnutrição infantil. Mais de um terço dos jovens não tem emprego. Estão no mercado 30 mil. Para complicar, 15% da juventude – com idade entre os 20 e os 24 anos – não frequenta a escola. Face à pouca oferta, centenas de jovens, maioritariamente rapazes, de todos os pontos de Timor-Leste, sonham com o bilhete que permita embarcar para o Eldorado português.

A juntar a estas angústias, está o empreendedorismo residual. O café podia ser a alavanca para atrair investimento, sabendo que a indústria agroalimentar é insipiente. O boom das novas tecnologias e o turismo são faróis por explorar num país muito dependente das remessas dos emigrantes. Países como Portugal, Moçambique, República da Irlanda, Coreia do Sul e Austrália são destino da emigração timorense. Há ainda o caso do Reino Unido que alberga 20 mil, quase todos com passaporte português por terem nascido antes da independência.
O presente do primeiro novo Estado soberano do século XXI chama-se Ramos Horta.

Após 10 anos sem cargos políticos, volta a ocupar a cadeira da presidência com 72 anos – já a tinha conquistado em 2007. Para mui- tos, tem nas mãos um tempo inigualável pa- ra colocar a pátria na rota do desenvolvimento sustentável. A primeira agulha do sétimo presidente de Timor-Leste está virada para o combate à «subnutrição dos mais vulneráveis e evitar que os pobres fiquem mais pobres».
Oxalá esta injeção engorde a oportunidade em Timor. Que cheguem notícias boas, uma espécie de senha como a que ocorreu em 1988 quando João Gil compôs um instrumental para o filme Flores Amargas. Um som – elevado por um coro cantado em tetum, língua nativa timorense – transformado em bandeira que rasgou o muro do silêncio. Que siga a marcha até que a voz doa.

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