O fim da alternância
Ideias Políticas
2020-06-23 às 06h00
Desde logo, refira-se que o teletrabalho é uma possibilidade para um reduzido número de funções, sendo incompatível com a maioria dos postos de trabalho nos sectores de produção como a agricultura e indústria, em áreas como a construção civil, a saúde, a limpeza, a Cultura, a restauração, a hotelaria... Ou seja, por mais propalada que seja a ideia de que o teletrabalho é o futuro e a sua integração inevitável, a realidade é que esta solução estará sempre limitada a algumas áreas.
Não quer isto dizer que a tecnologia não possa e deva ser aproveitada e desenvolvida para melhorar as condições de vida das pessoas e das sociedades - na verdade, um dos grandes objectivos do desenvolvimento tecnológico seria precisamente o de libertar as pessoas de tarefas em prol do ócio e de actividades de desenvolvimento pessoal. Mas nem sempre é assim.
Sem surpresa, as grandes empresas estão satisfeitas com o teletrabalho e planeiam manter e até aumentar o número de trabalhadores neste regime.
E, também sem surpresa, os trabalhadores não acompanham este grau de satisfação.
Está definido no Código do Trabalho que o trabalhador não pode ser prejudicado quando exerce a sua função em regime de teletrabalho, existindo princípio de igualdade no gozo dos direitos. Mas não é o que se verifica.
Um estudo da Universidade Europeia feito em Abril, revelava que 49% sentia que trabalhava mais estando em casa do que numa situação normal. A dificuldade em separar a vida familiar da laboral é referida po 56%, para o que contribuem a falta de lugar próprio para trabalhar apontada 49% dos inquiridos e a dificuldade de acesso a tecnologia indicada por 39%. 65% afirmaram que preferiam não estar em teletrabalho.
Em Junho, um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública confirma os dados. São já 59% os que consideram que trabalham mais horas do que o habitual, 42% referindo que a separação entre trabalho e vida familiar é muito difícil.
Em vários observou-se, ainda, que as mulheres são mais afectadas pelo stress e apontam um cansaço mais elevado que os homens, em grande parte devido a continuarem a ser as principais cuidadoras dos descendentes e dos ascendentes.
Em resumo, às horas trabalhadas a mais, e não remuneradas, junta-se a insuficiência de meios para trabalhar, os custos adicionais com ferramentas próprias (computador, acesso a internet, electricidade, impressora, tinteiros, etc.), o isolamento dos colegas e falta de acompanhamento pelas chefias. Resulta isto numa desregulação de horários e desgaste psicológico que originam disrupção na vida familiar, e que também afecta a produtividade, cujo peso da responsabilidade recai exclusivamente no trabalhador, a quem, como se sabe, é sempre exigido mais e melhor.
Ás dificuldades causadas pela natureza do trabalho à distância, comam-se os abusos das entidades patronais que, para além de não facilitarem a mudança, aproveitam para esticar em tudo o que lhes é conveniente, ignorando ou forçando os trabalhadores a cumprir um horário mais alargado e violando a sua privacidade por exigir aceder aos meios informáticos ou obrigar a manter câmaras ligadas.
É importante esclarecer que o recurso ao teletrabalho durante o período excepcional relativo à situação epidemiológica associada à Covid-19, determinado pelo Governo, pôde ser decidida unilateralmente pelo empregador (ou requerida pelo trabalhador), mas findo este período, o regime de teletrabalho terá que ser acordado entre as partes.
Ou seja, os trabalhadores não estão obrigados a aceitarem a proposta de se manterem em casa (ou passarem a trabalhar em casa), se tal não for do seu interesse.
A ilusão de que o teletrabalho é uma solução moderna, amiga do ambiente e mais vantajosa para os trabalhadores vai caindo, à medida que o cansaço e o desgaste psicológico se acumulam, e que os ataques sobre os direitos se vão revelando. Estejamos atentos.
19 Março 2024
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