A necessidade de reviver as memórias da Guerra Colonial Portuguesa
Escreve quem sabe
2024-05-23 às 06h00
Há 30 anos, no primeiro domingo deste mês, comi com pressa. Lembro-me da ânsia que tinha à medida que se aproximava o início da tarde. Era o meu momento maior. Estar entre homens com história, rijos na palavra, de olhar fixo, mãos fechadas e sorriso brando.
Nesse tempo, estava a meio da faculdade e vinha, quase sempre de relâmpago, ver os meus pais ao Barroso. Tudo era pressa. O tempo fugia. Assim o pensava. Assim o desenhava. Mal, sei-o hoje. Por essa altura, pouco ou nada tinha travão. Braga era vasta. Estendida, com a oportunidade na mão e com semáforos que não impediam o voo.
O fim de semana servia para retemperar. O estômago e a alma. Tinha, por perto, a minha avó de sempre, a mulher do meu amado avô. Os amigos, aqueles que sabiam o valor do olhar, já tinham partido para outras estradas. Uns para a capital, outros para a França que me viu parir. Havia um misto de perda e de resiliência. Perda pelo irrecuperável. Por saber que nunca mais iria tocar no que toquei. Resiliência por ainda sentir que a minha puberdade mantinha traços nos homens e mulheres que continuava a ver. Era nestas e nestes que detonava a minha força.
Por esse tempo, entrar no “25” era invadir o Coliseu de Roma. Sentia-me um gladiador. Não pela invencibilidade, mas pelo estalar imaginário do aplauso. Eram quase sempre os mesmos embora em mim a bancada estivesse sempre lotada. Cumprimentava um a um. Uns com o copo de vinho à frente. Outros, com o café e o bagaço. Ainda havia um ou outro que nada pedia. Entretinham a tarde com palpites na esperança que, no cair da tarde, alguém encostasse, com generosidade, a barriga ao balcão.
Nesse ano usava uma carteira preta, dada por um amigo de infância no meu Verão quente do ano anterior. Cabia tudo e outro tanto que não tinha. O sábado, por regra, servia, também, para acariciar a carteira. Daí que, o domingo fosse o dia certo para entrar no café que ainda hoje mantém o nome.
Ao irromper, disparava o radar em busca dos parceiros de sempre. Todos percebiam que chegava o momento mais aguardado da semana. O puto da aldeia, apaixonado pela sueca. Jogava com os velhos. Desde os 16 anos. Poucos entendiam porque insistia nesse convívio, tantas vezes colocado à frente de outras tentações.
Na arena, nomes que nunca irei esquecer: “Ti Albino”, “Roque” e “Ti Barel”. Todos já tombaram. À vez. Como se dessem tempo ao luto. O primeiro foi o “Ti Barel”, substituído pelo “Tótó”. Um quinto Beatle que não era a mesma coisa, mas que conseguiu estender este refrão de saudade.
Foram largos anos. Domingos de nervo e de rasgo. Pelo meio, o instinto do silêncio e do olhar. A magia das mãos. Saber o preço da derrota e o gerir da vitória. O respeito e a soberba. A inteligência e a máscara que cai. Somado, foi uma bíblia de conhecimento que mantenho atracada.
Porém, esse imenso domingo foi marcado por um tumulto que espantou a pacatez de um lugar plantado nas fraldas do Larouco. O mundo dizia adeus ao mago Ayrton Senna da Silva. Jamais esquecerei a viagem de regresso a Braga. A lâmina do silêncio esfaqueava cada quilómetro.
Foi a primeira lenda viva que vi desaparecer.
Nos dias seguintes entrava casa dentro, pela então imberbe SIC, um funeral cravado na minha memória e de milhões. Foi um tempo onde a imortalidade ficou com espelho. Seguiu-se o correr dos dias e a certeza de que a vida nunca será sempre um ás de trunfo.
20 Abril 2025
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