As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2021-05-21 às 06h00
O homem é o único animal do mundo que mata por prazer. De quando em vez, somos assaltados por episódios que vomitam o olhar. Por estes dias, veio a público o crime atroz fabricado num dos laboratórios da Vivotecnia, organização europeia independente que realiza testes em animais para as indústrias farmacêutica, cosmética e alimentar.
Erguido em Madrid e com clientes na Europa, Estados Unidos, Japão e América Central, este laboratório alemão – validado por um comité ético e independente o que, só por si, devia exigir supervisão – ficou com a atividade suspensa por, alegadamente, os investigadores praticarem uma série de atrocidades em macacos, ratos, porcos e cães. Só utilizo a palavra alegadamente porque não coloco a mão no fogo em tudo que leio online. Porém, as imagens captadas, entre 2018 e 2020, por um antigo funcionário do laboratório – divulgadas nas redes sociais pela associação Cruelty Free International – não dão margem para muita desconfiança.
Entre o muito asco, há um funcionário que chega a segurar um macaco enquanto outro desenha um rosto com um marcador nos seus órgãos genitais. Nesse entretanto, o animal é preso à mesa com o sangue a ser coletado. Pelo meio, é comum dar com os olhos em animais a serem forçados a ingerir ou inalar quantidades crescentes de uma substância para medir os efeitos tóxicos que podem ser graves. Incluem vómitos, sangramento interno, dificuldade respiratória, febre, perda de peso, letargia, problemas de pele, falência de órgãos e morte. Por entre graçolas e pancadas, não são fornecidos anestésicos. Katy Taylor, diretora de Assuntos Regulatórios e Ciência da Cruelty Free International, não escondeu o choque a ponto de dizer que «é impensável que isto aconteça» nesta Europa que se autoproclama zeladora de direitos e deveres de toda a ordem. O que se vê é hediondo e sem perdão. Ponto.
O cruel desta agonia é saber que não estamos perante terreno imaculado. Há muito subterrâneo que não vê a luz do dia. Nem tudo que gira na ciência é aplauso. A história, coberta de legislação e com supervisão, tantas vezes, deficitária ou nula, é fértil em destapar horrores de laboratório.
Em contraponto, brotam campanhas notáveis que apelam à consciência humana. Uma das mais recentes chama-se “Save Ralph”, concebida pela Humane Society International, organização americana que trabalha desde 1991 em prol dos direitos dos animais. Trata-se de uma curta metragem em formato stop motion, de quatro minutos, onde Taika Waititi, realizador, ator e vencedor do Óscar de Melhor Argumento Adaptado por “Jojo Rabbit”, dá voz a Ralph, um dos milhares de coelhos que, diariamente, são utilizados para testes em animais. As imagens perturbam numa sociedade que continua a tolerar testes em animais, prática que ainda é legal em quatro em cada cinco países no mundo.
Neste quadro, é obsceno engolir que são várias as marcas de grandes grupos de cosmética que ainda são forçadas a proceder a esta práxis, especialmente as que pretendem ter os produtos à venda no mercado chinês, onde os testes em animais são obrigatórios. Isto advém numa União Europeia que, desde julho de 2013, não permite comercializar qualquer cosmético onde, durante o processo de produção, tenham sido feitos testes em animais.
Em matéria de maus-tratos, é vergonhoso saber que em Portugal só 5% das denúncias chegam a julgamento e a maioria é punida apenas com multa. Em quase cinco mil delações, houve menos de 250 julgamentos. Até hoje, ninguém no país teve de cumprir pena efetiva. A esta desonra podemos juntar outras. Todos os anos abandonamos 10 mil animais. Não estranha que só em 2020, quase cinco mil de companhia tenham sido enviados para o estrangeiro. Lá fora, não só os querem como pagam. São 400 euros num caminho por vezes sinuoso entre as associações de animais e os novos tutores. Por cá, há alguns lampejos. Um deles, bem recente, dá conta de quatro mil pessoas terem assinado uma petição pública que pede a criação de um hospital veterinário público para que seja possível prestar cuidados de saúde essenciais e evitar mais abandonos e maus-tratos.
Um fio de luz num mundo que não pode estar convertido em barriga de aluguer. Embrulhar o estômago pela conivência é continuar a viver em assobio. O lucro e o despudor não podem vingar sob pena da vida ser um balão desinchado. Vivemos em tempo de desassossego que não pode amparar toda e qualquer indiferença. Não somos carneiros que silenciam o clamor daqueles que foram arrastados para o campo de tiro. Podemos não fazer muito, mas não podemos ser cobaia em pensamento.
19 Julho 2025
18 Julho 2025
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