Correio do Minho

Braga, quarta-feira

- +

Shaken not stirred

Bibliotecas de Leitura Pública com rosto

Shaken not stirred

Escreve quem sabe

2023-02-03 às 06h00

Jorge Dinis Oliveira Jorge Dinis Oliveira

A homeopatia foi inventada por Samuel Hanneman (1755-1843), numa época em que as pessoas eram tratadas com mercúrio e sangrias, sem anestesia nem esterilização. O verbo tratar, neste contexto, deve ser entendido do modo como eu entedia a minha mãe quando me dizia: “Eu trato-te da saúde quanto chegarmos a casa!”
Ocultismos à parte, admiro e invejo-lhe a capacidade para olhar para o status quo, perceber que estava errado, que não funcionava e procurar uma mudança. Durante a sua longa vida, de 1755 a 1843, pouco se sabia acerca do corpo humano e da causa das doenças. A medicina baseada em evidência e, posteriormente, a medicina baseada em ciência ainda demoraria o seu tempo a estabelecer-se. Pensava-se que a malária era causada por mau ar. Não existiam antibióticos, não sabíamos o que eram germes, não havia testes ou tratamentos. É compreensível que Hanneman tenha olhado para tudo isto e pensado que não fazia sentido. Existiam práticas erradas e, por isso, foram abandonadas.

Mas o que conta não são as intenções, mas sim os resultados: Hanneman não descobriu a pólvora e a sua invenção não resultou em nada que funcionasse. Excepto, talvez, para os que hoje beneficiam de uma indústria avaliada, em 2020, entre 4 a 6 mil milhões de dólares e que crescerá até aos 13 a 20 mil milhões de dólares em 2030.
Estou a ser injusto com o Samuel Hanneman, pois, para todos aqueles que iam morrer não da doença, mas da cura, às mãos de barbeiros, a homeopatia foi sem dúvida uma panaceia. Mas teria sido igual nada terem feito.
Mas em que se fundamenta esta prática que os nossos políticos decidiram legitimar em 2003? Assenta em três princípios basilares: O primeiro, igual cura igual, ou seja, uma substância que causa um determinado sintoma poderá fazer desaparecer esses mesmos sintomas. Segundo, uma substância será tão mais potente quanto maior for o seu grau de diluição e, terceiro, a substância deverá ser sacudida ou, como diria James Bond, “shaken not stirred”.

Vou utilizar o café, produto bem entranhado na cultura portuguesa para tentar explicar como funcionaria a homeopatia. Se é o café que me mantém acordado, diluído ajudar-me-á a dormir e, quanto mais diluído, mais forte o seu efeito. O grau de diluição desta substância, molécula, princípio activo, o quer que seja, é de tal ordem que, quimicamente, já não existe. Estamos somente a beber água. Com base na homeopatia, o efeito no tratamento da doença ocorre, pois a água tem memória do efeito do café. Esta memória pode ser transferida para um comprimido de açúcar pingando esta água no comprimido e permitindo que se evapore.
E se a sua maleita for um desarranjo dos intestinos? Uma desventria! É só seguir a mesma lógica.

Os produtos homeopáticos surgem nas mais diversas formas e feitios, podendo ser gotas, comprimidos, xaropes ou cápsulas e as substâncias utilizadas podem ser de origem vegetal, animal ou outras origens mais peculiares e criativas. Estes produtos são sem dúvida bons para quem está doente de “cu quente”, mas nada fazem a quem tem maleitas reais.
Devemos manter-nos hidratados, mas a forma mais prática de o fazer talvez não seja com a homeopatia. À luz dos conhecimentos actuais, da química à medicina, a homeopatia não tem efeitos positivos na nossa saúde ou no tratamento de doenças e deve ser relegada, tal como outras práticas, para os livros de história.

Deixa o teu comentário

Últimas Escreve quem sabe

26 Março 2023

Síndrome de burnout

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho