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Sexta-Feira Santa e os Restantes Dias do Ano

As emoções no outono

Sexta-Feira Santa e os Restantes Dias do Ano

Voz aos Escritores

2023-04-07 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Talvez mais do que o 25 de Dezembro, data do nascimento de Jesus Cristo, a Sexta-Feira Santa seja o dia Sagrado dos cristãos. Na Semana Santa, Braga é visitada por crentes de todo o Mundo, curiosos de assistirem às festividades da Ressurreição de Cristo que nesta Cidade dos Arcebispos se cumprem na secular tradição católico-romana. As ruas vestem-se de púrpura, coroas de espinhos douradas, imagens alusivas à Paixão de Cristo enclausuradas em vitrinas abertas somente nesta Semana, ornadas de círios votivos e flores. A solenidade das procissões, os descalços penitentes farricocos de fogaréus e o Enterro do Senhor, acentuam a melancolia mórbida dos que nos passeios das ruas se perfilam amontoados para assistirem ao passar compassado dos desfiles. A Procissão da Burrinha, cortejo bíblico evocativo do, Vós Sereis o Meu Povo, aligeira a soturnidade do Mistério Pascal. Nas capelas e igrejas que polvilham a urbe, decoradas a preceito pelas exigências e rituais da quadra, as orações são ciciadas mais baixinho, preces de crentes contrictos de palmas das mãos unidas apontadas ao Céu, súplicas de bênção e de perdão, que de faltas e pecados é pródiga e Humanidade e a Mea Culpa tão católica agiganta-se na fé e na Esperança da Ressurreição.

A sacralidade destes dias ecoa-se na música sacra que orquestra o centro histórico, melodias tristes, opressoras dos corações sensíveis, relembrando às almas o Luto negro da efeméride e do sofrimento macabro, cruel e violento do Crucificado que morreu pela salvação da Humanidade, e que nos estentores da efémera vida terrena, chagado, dependurado e pregado no Santo Lenho, após a tortuosa estirada da Via Sacra rumo ao Gólgota, de Cruz ao ombro e chicotadas no lombo, ainda teve alento de rogar ao Pai, Perdoai-lhes, Senhor, eles não sabem o que fazem, referindo-se aos Homens criados à sua imagem e semelhança, que de parecidos consigo pouco ou nada têm, o Homem que deveria ser o ex-libris da Criação Divina e que se revelou o maior logro da primorosa tarefa Divina. E a Igreja Católica, que deveria ser a exemplar seguidora dos Mandamentos de Cristo, deturpou, interesseiramente, a Palavra do Senhor. Olha para o que eu digo e não para o que eu faço é um dito que lhe assenta como uma luva, tal qual os ostentosos paramentos cobrem e envaidecem os corpos dos seus representantes.

Os católicos que teimam na continuidade da Igreja Católica e os seus incumbidos mandatários, desunham-se na preservação do rebanho povoado de ovelhas tresmalhadas, tarefa mais engenhosa e intrincada que a própria Criação Divina. A Igreja lava as suas mãos como fez Pôncio Pilatos. A exposição pública dos grotescos crimes-pecados de vários dos seus religiosos e afins deixou-a de calças na mão e credo na boca. A denunciada pedofilia no seio da Santa Madre Igreja foi um murro nos estômagos bem forrados dos homens que professaram a fé de Cristo de livre vontade, atraídos pelo Chamamento do Senhor e o Deixai vir a mim as criancinhas. A divulgação pela comissão de inquérito independente de milhares de jovens e crianças abusadas sexualmente por membros da Igreja, além dos horrores das violações de menores, revelou outra verdade crua e nua: a Igreja sabia da maioria dos casos que ardilosamente ocultou nos meandros das teias do poder, metendo os pés pelas mãos colocou os pedófilos noutras paróquias, como se nestas não existissem jovens e crianças potenciais vítimas de reincidentes abusos. A Igreja quis tapar o Sol com a peneira e a emenda saiu-lhe pior do que o soneto. Pretendeu limpar o melhor pano onde cai a nódoa, mas mais o sujou, e pior ficou na fotografia, agora sem photoshop, ao sacudir a água-benta dos sacros paramentos como quem enxota a culpa da consciência, escapando às devidas e justas indemnizações aos sofredores.

A Igreja Católica, por dinheiro, é como o Diabo por almas. Rezam os entendidos da obscura ciência economicista, que na última década, as contas do Vaticano já não têm a gordura obesa do Abades, o que não é desculpa para a fuga ao cumprimento das obrigações de compensação às vítimas (se é que um crime hediondo como a pedofilia poderá ser ressarcido, só por milagre). Apesar da redução das receitas pela menor doação de dinheiro e bens patrimoniais dos fiéis, o Vaticano continua a ser a maior proprietária imobiliária do Mundo, cujas rendas dos imóveis sustentam a custosa e oleada máquina da Casa de Pedro, em cujos subterrâneos se escondem milhares de obras de Arte de valores incalculáveis, algumas roubadas aos judeus pelos nazis e receptadas pela cobiçosa instituição religiosa que deu guarida e dinheiro e salvo-condutos aos criminosos de guerra responsáveis pelo assassinato de milhões de seres humanos.

A Igreja fecha os cordões do saco azul e esfrega as mãos no dinheiro, diante de milhões a morrerem à fome. Certas profecias apregoam que Francisco será o último Papa. Como Pedro, o pescador de homens, o Papa vai ao leme de uma barca pesadíssima, navegadora no rio da iniquidade cuja correnteza a empurra para o Inferno e a afasta do Purgatório e do Paraíso, e no crescente descrédito dos fiéis, que escolhem entender-se directamente com Deus, a Igreja afoga-se nas águas turvas e no lodo podre do Mundo. Serão necessários tonéis de litros de água-benta e o chamariz festivo da Páscoa chocolateira, dos pães-de-ló e das amêndoas, dos coelhinhos que pelas artes mágicas da fantasia trazem os ovos coloridos, para que as Semanas Santas não acabem, o que seria uma pena e um avultado prejuízo para o pequeno comércio tradicional que é a alma da cidade, nestes dias e nos restantes do ano.

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