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Seriedade sobre segurança

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Seriedade sobre segurança

Ideias

2025-01-23 às 06h00

Bruno Gonçalves Bruno Gonçalves

A política nunca foi, nem será, um mero exercício estatístico. Sim, os dados devem desempenhar um papel crucial na formação de opiniões, mas as emoções e perceções têm uma influência inegável na forma como decorre o debate público - facto que, para quem desconhecia, ficou bastante evidente ao longo dos últimos meses. No entanto, permitir que as ideias e as políticas ignorem totalmente os dados e só reconheçam as emoções é, em última instância, abrir a porta para um perigoso jogo de sombras, onde se ultrapassa até o perímetro da própria realidade. Em vez de uma reflexão ponderada, teremos uma democracia refém de reflexos intuitivos e mal fundamentados.
É neste ponto que, infelizmente, se encontra o debate sobre segurança em Portugal. O tema foi instrumentalizado pela extrema-direita, que se empenhou de forma insistente em cavalgar esta oportunidade para atingir as comunidades migrantes. Esquiva-se ao escrutínio sério das suas acusações, aproveitando casos particulares (como a rixa de 7 pessoas no Martim Moniz, que deve ser condenada, mas representativa de apenas 0,00067% dos estrangeiros residentes em Portugal) para promover a divisão, mas fugindo sempre dos dados. E, sim, ajuda que parte da comunicação social esteja atualmente mais permeável ao princípio do sensacionalismo do que firme na responsabilidade de fazer cumprir os códigos de conduta da profissão jornalística.
Sejamos claros: os dados disponíveis desmentem categoricamente a narrativa que tenta ligar imigração a um aumento (da perceção) de insegurança em Portugal.
De acordo com os relatórios da Polícia Judiciária (PJ), o número de homicídios para a totalidade do último ano (2024) foi de 112. Continua a ser mais alto do que desejamos e é objetivo comum a todos os partidos (sem exceção) reduzi-lo e preservar o perfil seguro de Portugal. Não obstante, é preciso reconhecer que este valor está muito abaixo da média de 150 registada na década anterior (2004-2013), sendo ainda mais significativa a diferença quando comparado com a década de 1994-2003, onde a média foi de 346 homicídios anuais. Para ilustrar ainda melhor o progresso do nosso país, note-se que o número de homicídios em 1993 foi 280% (!) superior ao de 2024 - ou seja, na verdade, o nosso país tem apresentado uma trajetória notável no combate à criminalidade violenta e na proteção dos cidadãos.
É também a Polícia Judiciária, no seu último Relatório Anual de Segurança Interna (2023), que indica uma tendência de redução do número total de crimes violentos e graves. Entre 2014 e 2023, este tipo de crimes diminuíram de 19 088 para 14 022, uma redução de 26,5%. Os furtos, por sua vez, caíram de 139 376 para 91 117, uma descida ainda mais acentuada de 34,6%.
E, muito embora o relatório da PJ indique um aumento no número total de incidentes, este é impulsionado pelos três crimes mais comuns em Portugal: as burlas (27 402 casos), a violência doméstica (26 041 casos, mas sobre a qual nunca ouvimos a extrema-direita dizer nada) e a condução sob o efeito do álcool (24 133 casos). Nenhum destes crimes está, como é evidente, associado a comunidades migrantes.
Longe de corroborar a narrativa de insegurança fomentada pela extrema-direita, estes dados sobre dinâmicas criminais continuam, lamentavelmente, afastados do debate em Portugal. Portanto, apesar de termos mais população estrangeira a residir em Portugal e menos crime do que quando havia menos migrantes, a explicação da extrema-direita tem vingado e raramente os seus dirigentes são confrontados com tais erros tremendos de lógica elementar. E, mais grave, o Governo da Aliança Democrática tem demonstrado uma inusitada flexibilidade moral, não só acompanhando um debate informado apenas nas perceções, como também desenhando as suas medidas políticas sem considerar os dados. O caso da operação no Martim Moniz é paradigmático.
A crítica feita pelo Partido Socialista e por outros partidos do arco democrático, desde o PCP à Iniciativa Liberal, destacou um ponto crucial: as forças de segurança não podem atuar de forma arbitrária, revistando cidadãos com base em critérios obscuros como a zona onde se encontram ou a cor da sua pele. É essencial que haja um motivo forte para qualquer intervenção policial deste calibre, o que claramente não aconteceu neste caso: basta relembrar os parcos resultados de tal operação para compreender a infração do critério de proporcionalidade. Mas isso não significa, de forma alguma, que o PS defenda uma abordagem branda face à criminalidade ou que se tolerem costumes culturais que violem as regras portuguesas. Sim, a lei é para cumprir por todos.
Portugal já é, de facto, um país onde o cumprimento das leis é a norma. Não é por acaso que somos considerados o sétimo país mais seguro do mundo pelo Global Peace Index.
Aliás, o nosso país compara muito bem com os bastiões da extrema-direita, que se arroga a verdadeira defensora da ordem.
A Hungria, onde Viktor Orbán governa desde 2010, assistiu a uma subida de 6% na criminalidade e de 5% nos furtos no último ano e, segundo o relatório da organização “Transparência Internacional”, apresenta o pior desempenho em toda a União Europeia no combate à corrupção. Mais uma vez, são dados que não ajudam a corroborar as narrativas do Chega e das suas congéneres europeias, mas que se mantém afastados do escrutínio mediático.
Os debates sobre segurança, sobre gestão e integração migratória (separadamente) podiam ser sérios, mas esse não é o objetivo do Chega, que se limita a mimetizar as frases mais sonantes que oiça do estrangeiro (a ironia), sejam proferidas por Donald Trump ou pela extrema-direita alemã. A palavra de ordem passou a ser “deportar” e Rita Matias já elevou a tónica da desumanização, chamando de “ratos” a imigrantes nas ruas de Lisboa. No sentido inverso, da decência, há casos práticos de sucesso que podem e devem ser apresentados como exemplos a seguir.
A participação da comunidade migrante no município de Braga, nomeadamente, é encorajadora e uma expressão do benefício mútuo que pode existir entre população autóctone e os imigrantes que nos escolham como destino.
Se estamos a falar de vidas - dos portugueses e dos imigrantes - o mínimo que se exige é tratar estes temas com a seriedade e a sensibilidade de quem quer encontrar soluções e não apenas descarregar preconceitos.
Quando for esse o exercício, podem contar comigo.

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