Poder de Compra e Bem-Estar das Famílias Portuguesas mantém-se abaixo da média europeia!
Voz aos Escritores
2020-12-04 às 06h00
Já me aborreci com alguém, já apertei com força os dentes, até já me zanguei, mas raiva, cólera, fúria ou ira, essa emoção básica tão bem definida pelos psicólogos, não me lembro de ter sentido. Lembro-me da «Ira di Dio», da celestial Shapplin e d’«As vinhas da Ira», do John Steinbeck, a primeira pela sua voz de adormecer os tímpanos, o segundo pela exposição da pobreza em terras ressequidas. Indignação, isso sim, geralmente em decorrência das malfeitorias feitas ao singelo e indefeso povo, daquelas que nos obrigam a gritar «filhos da mãe» e a ferrar os dedos inocentes. Falo de emoção, mas às vezes penso nas palavras, tento adequá-las a determinados factos, e sinto dúvidas, como se as palavras me pontapeiem a mente e me berrem que estou enganado, que as coisas não são assim, e que devo sopesá-las com maior cuidado. Isto a propósito da emoção, mas também da sensação e do sentimento. É verdade que tenho sensações, reações corporais físicas, causadas por objetos exteriores, por estímulos, nos órgãos dos sentidos. Eu sei disso. Só não sei de que forma essa sensação, é transmitida ao cérebro e muito menos se transforma em perceção, em julgamento ou em ideia. Que a génese dos nossos conhecimentos parece estar aí, sem dúvida que parece, mas há quem avente outras explicações, e eu não tenho condições de confirmar ou infirmar o que não conheço bem. Muito menos quando tenho a sensação (impressão moral, sentido figurado, ou intuição) de que, no que respeita às palavras, tudo é mais complexo do que parece. Que o digam Carnap, Condillac ou Fernando Pessoa, para quem, subestimando a capacidade racional, fundem a sensação com a perceção final das coisas. Daí o sensacionismo.
No sentir e na voz sábia do povo, a emoção é tumulto, alvoroço ou, no limite, comoção. Sensações físicas de frio ou calor, de maciez ou aspereza, podem causar emoções, reações cerebrais a estímulos ambientais. Daí o choro, o suor frio, ou mesmo a dor inexplicável. Quando leio certos poemas, emociono-me, e às vezes sinto lágrimas nos olhos. O mesmo quando, numa igreja, olho a imagem de Cristo pregado na cruz e imagino todo o seu sofrimento a caminho do Calvário. A tristeza, como a alegria, são as nossas emoções mais comuns. Fernando Pessoa definiu, não sei se completamente bem, três espécies de emoções: a forte, mas passageira; a forte e profunda, recordável a longo termo; e a falsa, a sentida no intelecto. Pensadas para a poesia, ele lá sabe por que razão as dividiu, mas desconfio que compreendo quando nos diz, pela voz do Álvaro de Campos, que foi para a cama com todos os sentimentos, que foi souteneur de todas as emoções, e que lhe pagaram bebidas todos os acasos das sensações.
O sentimento, em definição geral e simplista, é o resultado de uma ou várias experiências emocionais. São sentimentos o amor, o ódio ou a inveja. Nas artes, falamos de sentimento estético, estritamente relacionado com a emoção. Emoção e sentimento podem confundir-se, dependendo do facto de algo ser sentido diretamente, ou imaginado. Pessoa dá conta desse facto quando afirma que o excesso de sentimento em si o persuade de que é sentimental. Reconhece, porém, que, ao medir-se, tudo não passa de pensamento, e que não sentiu, afinal.
Nestas questões psicológicas, linguísticas ou poéticas, difícil é separar o literal do figurado. Tente o leitor definir o que significa sentir, «ter sentimentos», ou emocionar-se esteticamente. Descobrirá que qualquer definição será sempre curta e incompleta, e que o nosso repertório linguístico treme perante a infinitude do sentir. Salva-nos a essência poética, esse fluxo imperscrutável que está em nada e em toda a parte.
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