As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2022-02-18 às 06h00
Portugal está à míngua. A sede é de tal ordem que a guelra é uma cratera sem fim à vista. Os pingos que agora caem não disfarçam a língua de palmo à qual todos placidamente assistimos. Longe estão as lobadas da minha infância. Lameiros verdes, bêbados pela água vinda de todo o lado. Tudo era farto e tudo vinha a seu tempo. Chuva, vento, geada e neve. Sol, calor e brisa. A capa de burel saía da caixa em finais de agosto já com a festa da aldeia em memória. A croça de junco percorria o Inverno. As galochas eram arrumadas depois da erva do março. Um argumento que picava o ponto sem surpresa. Os agricultores amanhavam a terra sem necessidade de orar ao santo para a água cair. As preces eram outras. Pediam à padroeira que a terra aricada tivesse a bênção do pai nosso rezado antes das vacas ou o burro puxarem pelo arado.
Por este tempo, o gadinho medrava. Qualquer baldio era uma perdição para cabras e ovelhas. Bebiam em regatos. Os caminhos espelhavam lençóis de água. Alguns mostravam poças onde cães sacudiam a fome. À vista desarmada observávamos mosaicos pintados de verde. O gado era feliz.
Hoje vejo o monte seco de lágrimas. Acredito que grite desalmadamente de dor à medida que a foice do homem degola a natureza. Não há nada que faça parar a incontinência humana. Este elevador sem glória mirra o jorro da vida.
Temos Marte no olhar. Seja no Interior, seja no solarengo Algarve. Há muito que deixámos de adubar e estercar a terra. Vomitamos asco na postura. Os mondadores do fósforo continuam à rédea solta. Brincam com os soldados da paz. Um jogo cobarde, repetido, exausto, que envergonha este país. As imagens que entram casa dentro ou que ficam penduradas num qualquer telemóvel são pólvora de indiferença. Para quando um governante, com tudo no sítio, a dar um murro nesta desonra? Por mais quanto tempo não vemos algemas e prisão para gente que tresanda de mau exemplo?
Tudo é assobio. Quem julga que embala, engana-se. Há ainda uma franja que acredita que o tempo cede com o drible. Há muito que a natureza entrou num campo sem balizas. Musculada, pega na bola e joga em sentido único. Marca golos vertidos de sangue. O céu e o chão não têm alma nem cheiro.
Não espanta, entre nós, que há cinco anos consecutivos que chove menos do que devia. Os números do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) dizem que, em média, não há memória nos últimos 30 anos de um índice de precipitação tão baixo. No seu mais recente relatório pode ler-se que o mês passado foi o sexto mais seco em 90 anos e o segundo pior desde 2000. Perto de metade do país está em seca extrema. O ano passado tivemos o Verão mais quente de sempre. Temos tecnologia de ponta, mas está longe de ser rentabilizada. Conseguimos armazenar apenas 20% da água que vem da chuva. Os outros 80% vão para o mar.
Contas feitas, desde 2012 que Portugal não importava tanta eletricidade no arranque do ano. São 30%, percentagem gigante que esfaqueia os cofres da nação. Do mealheiro já saíram 500 milhões de euros para a Espanha pela compra de eletricidade.
Com a sirene a tocar a toda a hora, o governo, a meu ver tardiamente, decidiu travar a produção de hidroeletricidade nas barragens de Alto Lindoso, Touvedo, Alto Rabagão, Cabril e Castelo de Bode. Uma decisão que lembra uma outra, tomada o ano passado, em encerrar duas históricas centrais termoelétricas – Sines (EDP) e Pego (da Tejo Energia) com mais de 1,8 gigawatts (GW) de potência firme, um pouco menos de 10% da potência do nosso sistema elétrico – e, com isso, despedir-se da produção de eletricidade a partir da queima do carvão. Isto quando sabemos que há desperdício no abastecimento público em média de 30%, dos quais metade serão perdas reais e o restante perdas de faturação. Neste lote, há municípios a perderem 80%, das quais 50% é água fisicamente perdida.
Com tanta perda, o setor agrícola é o mais afetado pela escassez de chuva. Forragens, pastagens e cereais apanham por tabela. Há pedidos de joelhos. Continuamos a adiar uma política estrutural que crie transvases que levem a água de onde ela existe para onde é necessária, que potencie a dessalinização da água do mar e o tratamento das águas residuais.
A escassez de água é uma das quatro maiores ameaças do Mundo. Estima-se que entre 4 a 5 mil milhões de pessoas sofrem restrições no acesso à água potável. As secas triplicaram nos últimos 60 anos na Europa, sendo as piores dos últimos 2 mil anos. O relógio da sobrevivência humana está em contagem decrescente. Tic-tac.
19 Julho 2025
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