Poder de Compra e Bem-Estar das Famílias Portuguesas mantém-se abaixo da média europeia!
Voz aos Escritores
2020-12-31 às 06h00
Gosto da festa do Natal, do seu significado e simbologia, que, para um cristão como eu, adquire um profundo valor religioso ao qual me curvo e me faz sentir bem. Gosto também das festas do Ano Novo, que me transmitem a alegria de que necessito e me fazem pensar na necessária renovação interior. O ano 2020 já lá vai e não traz grandes recordações a toda a humanidade. Nesta época, é comum jantar-se em família. Este ano, todos sofremos um pouco e a família teve de se separar... Uma coisa, porém, se manteve: a troca de prendas, geralmente abertas no final da grande ceia. Para as crianças, alguns brinquedos e roupa. Para os adultos, livros, calçado e roupa. Instituiu-se na minha família, relevando a faceta espiritual, a oferta de objetos úteis: vai-se comprando em saldos (quando possível) e guarda-se para oferecer no Natal. Poupa-se dinheiro e fomenta-se a frugalidade. Este ano, o objeto plural vencedor foi a «roupa», esta coisa necessária ao ser humano, ao seu bom-senso e à sua ética, feita de algodão, de couro ou de materiais sintéticos. Curiosamente, não houve oferta de nenhum robe, sintético ou de seda, facto que estabeleceria um imediato lio significativo com a «roupa» vencedora em questão. Com efeito, há quem defenda ser esta palavra derivada do «robe» francês, o que, a ser verdade, até seria compreensível. A palavra castelhana «ropa» frequenta a mesma questionação. A verdade, porém, é que um presumível germânico «*rauba» e um sequente «raupa», do baixo latim, justificam a sua inscrição na maioria dos dicionários como étimos da nossa prestigiada palavra, prestígio elevado à máxima potência em certos círculos culturais, ou modais, se for da nossa preferência.
No Natal não há roupa suja para lavar. As máquinas estão limpas, as consciências também, há acordes de Zamphir no ar, o Amor, a Alegria e a Aletria massajam-nos o estômago e o coração, e até o Vinho do Porto contribui para evolar anseios e anagogias. Aguardar em ânsias o fim de ceia é o sonho irrefragável de miúdos e graúdos. De todos ou quase todos. Menos eu. É verdade que recebi meias e cuecas, livros e canetas, e até um belíssimo casaco, daqueles de vestir só ao domingo. Roupa nova, como se vê, eu vou tendo. E a outra roupa, aquela que se vai acumulando nos armários e que raramente visto? De vez em quando faço a vistoria, e ofereço o que não me faz falta. Não faço, claro, mais do que a minha obrigação: quem dá aos pobres, empresta a Deus.
Resta a roupa velha. Na minha enciclopédia de conhecimentos e, quiçá, no meu dicionário mental, o verbete «roupa velha» tem sonoridades flautais, cheiros de canela e de bom tinto, e bem assim de grandes troços couvais. Do bacalhau islandês ou do esperto polvo da Apúlia já nem falo, tão comuns são os seus eflúvios, regados a azeite virgem e a pedaços de alho. Desperdiçar é pecado, já lá diz a minha mãe, e os jovens devem capaci- tar-se disso. Como desperdiçar os nobres restos da ceia se eles, nas mãos sapientes da D. Conceição, se transformam numa iguaria superior às elogiadas ovas de esturjão? Não conheço fórmula mais requintada para fundir o nosso espírito com o espírito de Natal. Por mim, dou o máximo de estrelas ao «restaurante familiar», e comerei roupa velha até romper o sino. Eu sempre achei que há gramática em todas as coisas: na indumentária, na moda e até na gastronomia. Roupa velha e um bom tinto fazem cá uma gramática!...
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