O que não compreenderemos
Escreve quem sabe
2024-05-26 às 06h00
Começo o texto com o título e assim digo que nenhum seja o que dela colha, para algum que de mim lhe encontre. Mas ocorre-me o palíndromo em fundo de celebração que não sei como qualificar. Braga – parte significativa da europa ocidental – tem um passado romano, ou latino se quisermos. E depois? Teriam aplaudido os brácaros de então o seu conquistador? Porque se sublinha a “augusta” em detrimento da “bracária”? Porque haja sobrado do intruso o que se perdeu do nativo? Enfim, créditos se inscrevam ao acelerador civilizacional, mas não deveriam os edis de toga fazer publicar um opúsculo, e distribuí-lo com tudo o que se julgue saber sobre os nossos primórdios?
Uma espécie de estátua se erigiu a Augusto no Largo Paulo Orósio. O local é bom, ou não tivesse sido Orósio um intelectual destas paragens, correria o século IV. À boleia de Roma viria Cristo, de um Poder Temporal sólido, supra-tribal, chegou-nos uma moral universalista, supra-clânica e sobretudo transterrena. Cristianismo que é tanto uma religião como uma filosofia, que é tanto uma ritualística do sacro, como um conjunto de directrizes para o convívio humano e para a relação do Eu consigo próprio. Orósio foi presbítero, como homem de igreja terá sido Pedro de Rates, esse bispo primeiro por efeito do qual Braga será a Primaz. Histórias de que em adição deveriam saber os bracarenses de hoje, de brácaros ou de colonos primitivos sejam eles descendentes, de invasores ou de vagamundos de uma europa em formação.
Falta, pois, uma tenda entre os abarracados de uma pseudo-Roma, falta a justaposição de uma nota de História real, ainda que no seu quanto lacunar e especulativa. Falta um círculo latino a 365 dias, onde a língua que nos enforma pudesse ser uma palpitação ao nosso alcance. Assim, com razão máxima celebraríamos um passado, criando amarras, vincando continuidades, de que muito carecemos.
Fracturou-se o potentado romano e, séculos depois, germina Bruxelas e suas extensões. Ó Glória! Salve ordem harmónica do Atlântico à estepe cossaca, se bem triados os eslavos, porque uns sejam grados, quanto outros não. Mas que europa nos convém? Aquela em que as nações desapareçam, porque todo o nacionalismo seja pacóvio, porque toda a exaltação de individualidades locais seja uma xenofobia? Porque é que quem fala de nações se vê ostracizado, encostado a uma direita perniciosa, anti-Bruxelas e putiniana?
De algum pensamento político que arvore seja eu um Alves dos Reis, mas não temos presente o que se dizia da defunta URSS? Não apodrecia, esse estado imponente, porque um poder singular levantado sobre uma ficção, porque uma nomenclatura desligada da terra, impusessem uma visão distorcida do Real? Porque é que há de correr melhor ao frankenstein sociopolítico das doze estrelinhas sobre pano azul?
Com a «Braga Romana» se gloria um passado, e próprio é que nos inscrevamos num contínuo histórico. Com o Natal divinizamos o milagre de todo o nascimento, como com os Fiéis Defuntos honramos a memória de quem nos precedeu. Com a Páscoa racionalizamos o sofrimento e prolongamo-nos espiritualmente para lá do dado imediato da vida. Precisamos de festa pela festa, e de festa pelos mistérios de que nos faz participantes.
Arrisco que sejamos da mesma massa dos nossos primitivos, e que só por mau juízo definamos o não-racional como uma sobrevivência nefasta do homem primitivo. De todo o modo, quem não se filia na história, quem não se revigora no mito antropológico, acaba a pernoitar dois dias à porta de um concerto, ou aos vivas a qualquer ídolo de carne e osso, embora digamos que os deuses estão mortos.
19 Julho 2025
18 Julho 2025
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