Travão de mão
Ideias
2025-04-18 às 06h00
Muito se tem discutido sobre imigração, tema muito da preferência política de toda a direita. Não só em Portugal, claro está, mas por todo o mundo, seguindo muito uma via de mimetização e simplificação do discurso.
Na verdade, trata-se de um assunto bastante mais complexo do que é apresentado na generalidade dos casos. Vejamos o que se passa na União Europeia, onde é reconhecida a escassez de trabalhadores altamente especializados, nomeadamen-te em setores como a saúde ou a construção.
Esta escassez deriva antes de mais da evolução demográfica. Com uma população correspondente a cerca de 5,6% de todo o mundo, por volta de 448 milhões de habitantes, prevê-se que venha a decrescer até 2100. O peso relativo das pessoas em idade de trabalhar face aos mais velhos baixou de 3,8% para 2,8% entre 2002 e 2022, e deverá continuar a baixar. Tambem em Portugal num cenário para o futuro de baixa fecundidade , será de esperar o aumento da população idosa; aliás, o nosso país é já um dos mais envelhecidos da União Europeia, com 188,1 idosos por cada 100 jovens (dados de 2023).
As consequências deste quadro global de envelhecimento estão mais que estudadas: escassez de jovens em idade produtiva, logo necessidade de imigração, qualificada ou não, e necessidade acrescida de cuidados de saúde.
Para manter a competitividade, num quadro global cada vez mais exigente e instável, as empresas vão cada vez mais ter de se confrontar com estratégias baseadas na imigração de trabalhadores –ou no reforço da automação e do recurso a inteligência artificial. A adoção de tecnologias baseadas em robots coloca muitos desafios em termos de emprego especialmente em trabalhadores indiferenciados ou de qualificação média. O resultado poderá ser a polarização do mercado de trabalho, colocando em risco trabalhadores em atividades de natureza mais repetitiva e previsível, e por isso mais facilmente substituídas por máquinas. A marginalização potencial destas tarefas implicará uma redução do emprego de trabalhadores de média qualificação, tenderá a atrair mais imigração não qualificada, fixando-a em trabalho não qualificado e de baixos salários. Os trabalhadores não imigrantes serão assim incentivados a acrescer a sua qualificação, aumentando a produtividade bem como níveis salariais mais elevados, e motivando as empresas a proceder a um up grading das suas atividades produtivas.
Um trabalho interessante de Tverdostup, Ghodsi e Leitner acaba mesmo agora de ser publicado. Os autores estudam, para o caso da Austria, o resultado das escolhas entre estas duas estratégias alternativas. Mostram que as empresas que adotam robots tendem a ter uma força de trabalho maior, o que sugere que, em vez de substituir a mão de obra, a automação a complementa. Quanto á imigração, a sua utilização em empregos de baixa qualificação aumenta significativamente com a automação, aumentando por essa via a competitividade das empresas. Parece também que esta complementaridade contribui para a estabilidade salarial no mercado desta faixa de trabalho, onde se concentra a maioria dos trabalhadores migrantes. Por outras palavras, conforme sublinham os autores, os imigrantes tendem a desempenhar um papel importante na sustentabilidade operacional e na competitividade das empresas, independentemente dos avanços tecnológicos.
Já no que se refere a empregos de qualificação elevada, em particular migrantes de níveis educacionais significativos, o quadro é diferente. Os resultados do estudo conduzido na Áustria mostram que os incentivo para acrescer os níveis médios qualificacionais por parte dos trabalhadores nacionais se traduz numa preferência explicita por parte dos empregadores destes face aos imigrantes mais qualificados. Por outras palavras, tendem a expulsar a imigração mais qualificada, ou a relegá-la para grandes dificuldades na prossecução das suas carreiras. A atração de muitos jovens altamente qualificados por propostas de emprego na imigração com níveis salariais mais elevados deve assim ser analisada no contexto sempre do curto prazo. Nomeadamente na indústria, a adoção de robôs não aumenta significativamente o emprego para trabalhadores com alto nível de escolaridade e aparece relacionado com maior probabilidade de despedimento de trabalhadores imigrantes muito qualificados, possivelmente porque têm níveis salariais mais elevados.
O debate sobre este tema, crucial para o futuro, é ainda mais extenso. E relaciona-se também com expectativas de vida dos mais jovens, com a necessidade urgente de um quadro de informações objetivas que possibilite escolhas acertadas. Do ponto de vista da política pública, neste quadro, parece importante manter e mesmo reforçar a aposta nas qualificações adicionais por forma a integrar com mais facilidade o progresso tecnológico.
Nenhuma destas questões está presente no debate político que se trava por agora. Tudo se vai resumindo á discussão das casas que foram ou não compradas, e outras coisas do género.
O mundo está a mudar de uma forma tão notável quanto pouco clara, e com um grau muito elevado de incerteza. Será que os políticos perceberam?
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