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Braga, quinta-feira

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Retalho pelas ruas de Braga

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Retalho pelas ruas de Braga

Escreve quem sabe

2019-09-30 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

A visão lateral estabeleceu inconsciente o limite da caminhada. Paro e respiro fundo. Contemplo a porta da cidade, não identifico dobradiças. Vejo-a amplamente aberta e fiel ao mundo. Cruzo o passadiço e entro sorrateiro no café. Peço um café bem longo. O pecado sorri-me no canto superior da vitrine: uma bela tíbia. Sento-me na mesa do lado direito, num banco privilegiado, junto a Minerva, que me fita atenta de cima do arco. No interior do café presencio o encontro de dois velhos companheiros que se abraçam por entre sorrisos contagiantes. Ouve lá, és de Braga? Tu sabes que sim, respondia-lhe o mais alto. E com muito gosto, meu velho amigo! Por aqui? Sim, fecha a porta por favor, vê-se logo que és fruto desta maravilhosa terra.
Daqui, vislumbro o trânsito que progride cada vez mais lentamente. Condutores cruzam-se, tentando entrar. Outros suplicam por sair. Conto pelos dedos algumas camionetas, num pára-arranca constante, e algumas buzinas estridentes dos que dormitaram e começam o dia em agonia. Aqui desaguam turistas extasiados pelo início da manhã, sob pios de saltitantes rolas à espera de migalhas. Aguardam, unidos, o grito do guia para o início da jornada pedestre.

Penso na cidade que me viu nascer e crescer, na sua constante evolução. Tenho notado o recente crescimento do turismo na zona histórica, bem como do número de veículos. Constato a insuficiência das atuais estruturas para este novo facto. Hoje trouxe o portátil comigo. Prefiro responder a uns cinquenta emails longe do vazio de uma sala. Prometi que responderia, hoje mesmo, a todos os pendentes, que o faria bem perto do coração da minha cidade, algures num jardim.
Por momentos pergunto-me, para onde caminhas tu também, Braga? Que condições te estamos a dar para cresceres cada vez mais saudável, sustentável, estruturada, para que continues sempre sorrindo e de porta sempre aberta para o mundo? Ontem dei por mim a analisar alguns acontecimentos importantes pelo mundo fora, nomeadamente na área do retalho, o seu apocalipse antecipado, o fosso crescente entre o número de lojas que abrem e as que fecham, as reestruturações estratégicas obrigatórias e até a inevitável falência de algumas marcas internacionais. Notei, em diversas leituras, que grande parte destes insucessos advém não só da crescente taxa de penetração do retalho em linha, mas também das altas rendas exigidas em cidades cujas valores se tornam impraticáveis, para além dos diferentes hábitos de consumo e, naturalmente, do fraco desempenho.

De acordo com a MoneyWise, nos EUA, estima-se que pelo menos 44 cadeias, aproximadamente 12000 lojas físicas, fechem até ao final deste ano. Analistas apontam para 75000 até 2026. Empresas como a Payless, Gymboree, Foot Locker, Victoria Secret, Gap, entre tantas outras marcas bem conhecidas, irão encerrar muitas das suas lojas em 2019. Durante gerações, a empresa Payless (“Pague Menos”) foi sempre um dos locais prediletos para comprar calçado barato, com slogans e promoções incrivelmente contagiantes de “5 dólares leve dois pares”.

Mesmo com promoções deste tipo, entra em falência por não ter sido, mesmo assim, capaz de competir com empresas em linha como a T.J. Maxx. Prevê-se que 2100 das suas lojas sejam encerradas em 2019. A empresa Gymboree vende roupa para crianças e bebés. Durante este ano encerrará aproximadamente 800 lojas por não conseguir competir, por exemplo, com empresas em linha como a Amazon. O grupo Ascena é o maior grupo especializado em vestuário para mulheres e meninas nos Estados Unidos. Na sua alçada, possui 8 grandes marcas, incluindo a marca DressBarn. 650 das suas lojas serão encerradas também este ano. Seguindo a tendência do ano de 2018, a GAP irá encerrar mais 230 lojas, tal como a Victoria Secret encerrará mais 53.

Analisei levemente também o Reino Unido e a Alemanha. Com ou sem os desafios do próprio Brexit, de acordo com a PwC e a Local Data Company, os resultados de uma pesquisa recente no Reino Unido indicam que, na primeira metade do ano, aproximadamente 1234 lojas desapareceram das suas 500 principais avenidas. Na mesma esteira, na Alemanha, estima-se que cerca de 50000 lojas encerrem até ao final de 2020 resultado dos diferentes hábitos de compra e de reajustes obrigatórios.

Poderia estender-me até ao resto do Mundo, analisar o apocalipse à lupa, mas prefiro agora focar-me na minha cidade que nunca fecha a porta. Saio do café de rompante e tento evitar o magote de visitantes, caminhando a passo largo até ao jardim de Santa Bárbara. Dou por mim a identificar, pela calçada, novas lojas, novos restaurantes e diversas casas de alojamento local. Constato que o retalho tradicional por aqui se encontra em ebulição, qual apocalipse, concentrando cada vez mais turistas em nobres zonas desta cidade. Se, por um lado, almejo continuar a acompanhar este crescimento exponencional da cidade, do retalho tradicional e do turismo que ainda o vai suportando, por outro, aguardo confiante que sejam visionadas, projetadas e criadas mais e melhores condições, de infraestruturas e acessibilidades.

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