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Voz aos Escritores

2018-09-14 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Mala. Roupa, toalha, protetor solar. Cremes. Maquilhagem. Sandálias, chinelos. Sapatilhas. Chapéu, lenços. Biquini.
Regar as plantas, pagar as contas, verificar correio. Telemóvel. Computador. Não. Computador, não.
Tempo. Sol. Paisagens. Mais tempo. Pessoas. As nossas e mais tempo ainda.
Respirar. Fundo, muito.
Viajar. Por dentro e por fora. Muito.
Ler em silêncio. Dançar no meio da rua. Sem música.
Pousar a cabeça num colo conhecido. Respirar.
Regressar.

Lembro-me de entrar nas ruas de Braga como se estivesse a descobri-las no encanto do primeiro olhar, da primeira tomada de consciência, do primeiro carimbo de pertença. A partir daí o sentimento repetiu-se e repete-se a cada regresso após ausência superior a três ou quatro dias. E apesar de o saber e de o reconhecer, tem sempre impacto e deixa sempre sabor. Um doce sabor.
E entro nas ruas como se fossem elas que me reconhecessem e dissessem, bem-vinda, filha. Estás de volta a casa e sentimos a tua falta. Reconhecem-me luzes e publicidades em que nunca tinha reparado, como se a saudade até aí desconhecida despisse o olhar dos hábitos rotineiros e passagens diárias. Casas que parecem sorrir em convites para festins, varandas que se abrem em convívios de amigos no reencontro das palavras e no afago dos afetos, telhados que se elevam em saltos de mil barreiras para ternurar o céu que nos cobre.
Braga é assim. Não sei se as outras cidades também o serão ou até se os outros bracarenses a sentem desta maneira. Mas sei que esta é a minha cidade e a minha cidade sente-me assim. Tanto assim. É a forma mais aproximada de a conseguir ver com olhos de estrangeira.

E as férias estão a acabar. Para mim e tantos outros já terminaram. Para a maioria dos alunos estão prestes a acabar. Aproxima-se, devagar, devagarinho, mais rápido do que um moinho, o início de mais um adaptar a horários, rotinas que nos vamos impondo para que o dia-a-dia funcione de forma minimamente aceitável, sem andarmos com as ideias trocadas até à hora do almoço e acabarmos o dia a reparar que saímos de casa com uma meia de cada cor ou que ainda estamos com as pantufas nos pés ao sentir os pinos a espetarem-se nas plantas do ser quando entramos na passadeira elétrica de alguma grande superfície. Ou se calhar são apenas coisas que me acontecem.

Destinos e devaneios possíveis à parte, a ausência do local de trabalho permite-nos outros respirares: inspirar quem nos é pele, expirar o que nos expele. Absorver rodeios, apalatar gestos, sacudir anseios. Lembrar o que fomos, sedimentar o que queremos. O encontro com os eus e a confirmação de que não estamos sós. A certeza de quem ainda somos. E seremos.
Afinal, colamos postais paradisíacos de nós na esperança de que resistam à erosão de mais um ano.

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