Correio do Minho

Braga, terça-feira

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Quero, posso e mando, diz o fedelho

A responsabilidade de todos

Voz aos Escritores

2018-06-01 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Há uns anos, deparei-me com um artigo sobre um tema que estava a preocupar os Chineses. Lia-se que devido à imposta restrição da natalidade por motivos de explosão demográfica e nefastas consequências económico-sociais, os casais chineses só podiam ter um filho, de preferência macho, se não o fosse, paciência, que isto de não querer fêmeas tinha de acabar, um descabido capricho consuetudinário que incrementava a discriminação de género e destabilizava a balança de sexos. Os acasalados com vontades procriadoras, caso caíssem na tentação de aumentar a contida prole, perderiam qualquer benefício estatal.

A questão fulcral do artigo não era a imposta medida castradora, mas a pedagogia que os Chineses, entupidos de contraceptivos e massacrados pelos abortos forçados, usavam para educar os filhos únicos: estavam a transformá-los em Pequenos Imperadores da China. Criavam seres isentos de contrariedades, protegidos por redomas cristalinas, em quem projectavam gloriosas expectativas, os seus desejos frustrados e triunfos inalcançáveis, munidos duma reincidente e destrutiva culpa parental. Não se podia dizer não às criancinhas, sob pena de perturbá-las, de traumatizá-las: coitadinha, queres, tesourinho, toma, queres, queridinho, faz, queres, amorzinho, pede.
Fartos de aturar fedelhos birrentos e tiranos, cansados de séculos de dinastias Xias e Shangs, Zhous, Mins e Quings, de Mao e Deng Xioping, que mau era ele com toda a certeza, os Chineses começavam a preocupar-se com a bomba atómica que tinham em mãos: uma geração de ditadores em potência que infernizava a vida aos pedagogos, atulhava a lista de espera dos psicólogos infantis e enchia os aterrados progenitores de anti-depressivos e tranquilizantes químicos.

Será que não nos bastam as fancarias e pechisbeques chineses, destabilizadores da frágil economia lusitana, para também importarmos o fraudulento modo, em jeito de contrafacção, de educar as criancinhas do nosso país convertendo-as em Pequenos Imperadores sem Império?
É com espanto que vejo na comunicação social alertas como, Diga Não ao Seu Filho, quando essa negação devia ser óbvia. É com consternação que assisto ao cansaço e impotência dos professores diante dos alunos indisciplinados, insolentes, que actuam com o beneplácito dos pais, o meu filho é o maior, o professorzeco é que não sabe agir, ora essa, fazer-me queixa do meu próprio filho, vá-se tratar que o seu mal é nervos, incompetente, ou quer que trate eu de si, à minha maneira É com pasmo que assisto a pirralhos a espoliarem-se no chão, bocas escancaradas, guinchos estridentes, puxares de cabelos, arremessares de objectos, diante do semblante acabrunhado dos pais que soltam amedrontados, pronto, pronto, que descambam, em certos casos, em cacofónicos prontos. Os papás engolem as repreensões e guardam nas algibeiras as palmadas que nunca infringirão, receosos que alguma instituição ou alguém mais afoito os acuse de maus-tratos infantis e lhes retire os queridos rebentos. Os chavalos enchem estádios e festivais de música. Vestem-se de marcas e usam Ipads. Em casa, pais e mães gastam lápis e pestanas a rabiscar cálculos, de olhos esbugalhados nas contas da água, gás, luz e outras que sobejam. Os meninos precisam. Os meninos exigem. Os meninos mandam.
Os afectos são comprados, não ofertados. As compensações afectivas são substituídas pela permissividade excessiva e pelo dar de mão beijada. Ternuras materializadas.

Quais serão os padrões de referência das gerações vindouras? Que modelos de respeito seguirão? Como viverão no mundo onde cresceram inculcados de egocentrismo, poupados das vicissitudes da vida?
As crianças são o melhor do mundo. Subscrevo. É conhecida a citação de Jesus, deixai vir a mim as criancinhas. Subentendo, bem-educadinhas. Nem Ele, munido da bíblica benevolência, teria pachorra para aturar catraios malcriados e caprichosos.
É inquestionável que os direitos infantis têm de ser respeitados e que as crianças necessitam de carinho e protecção. Para bem delas e da sociedade eduquemo-las desde o berço, com humanidade, justiça e amor. Tornar-se-ão adultos mais felizes, ao contrário de Pu Yi, último Imperador da China, eternizado na História e no cinema por Bernardo Bertolucci.
Com sensatez e empenho, todos os dias serão Dia Mundial da Criança.
Os pimpolhos merecem.

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