Ettore Scola e a ferrovia portuguesa
Escreve quem sabe
2019-09-16 às 06h00
Ouço «Quem espera, desespera», de Beto. Penso neste e noutros ditos populares, ou provérbios, e comparo-o com «Saber esperar é uma virtude», «Quem espera, sempre alcança» ou «Tudo alcança quem não espera sentado». O provérbio da canção, de carga negativa, aplica-se em determinadas situações e o senso comum aceita-o e confirma-o como válido. Já os seguintes, carregados de mensagens positivas, dizem-nos que vale a pena esperar, ter esperança no devir, e que o desespero não nos conduz a bons lugares. Espera quem permanece num lugar, acreditando que algo, ou alguém, virá em breve. Desespera quem perde a esperança, a paciência e, no limite, se encoleriza. Há esperas boas, como a do amor quando acontece. Há, no entanto, esperas más, daquelas que nos revolvem as meninges e nos põem os nervos em franja. Quem não espuma, febril, na sala de espera de um hospital?
Em certas culturas, como a portuguesa, há especialistas da espera, pessoas treinadas para respirar fundo, para aceitar como sendo normal cinco, oito, doze horas numa cadeira sofrida. Ou meses e anos encostados na espera de uma consulta que nunca mais chega. A célebre expressão «esperar sentado» tipifica uma atitude derrotista, uma inevitabilidade, para quem a sente como verdadeira. Há quem, no entanto, espere, e aguarde tranquilamente o que há de vir, ou o que profundamente deseja.
Espera-se no hospital. Também se espera no trânsito, que não se mexe em horas de ponta. Pouco podemos fazer, nesses casos, a não ser praguejar. Quando se precisa «deles», é isso que acontece.
Fixemo-nos agora no comércio, na restauração e no retalho. Tentemos imaginar situações em que se aplique um dos dois provérbios: «Saber esperar é uma virtude» e «Quem espera, desespera».
Quem entra num restaurante, fá-lo porque, logicamente, quer comer. Entrar num restaurante que demora meia hora a sugerir umas entradas não é grande ideia, mas isso acontece com frequência. Restaurante de serviço lento ativa o último provérbio, e não poucas vezes desilude o cliente. Pior ainda quando a conta, pedida há meia hora, vem carregada nos cifrões. Não é difícil concluir que este restaurante, agindo desta forma, perde inevitavelmente os seus clientes.
Pensemos, em seguida, no comércio eletrónico, apresentado como solução inquestionável para diversos e complexos problemas das empresas modernas. Oferecendo comodidades que o cliente aproveita, o fator «rapidez» na entrega dos objetos comprados é essencial ao negócio. Se a «rapidez» depende de decisões de cada empresa, compete-lhe agir em conformidade com as suas propostas. Quando depende, porém, de outras empresas, como os CTT portugueses, por exemplo, morosos na entrega de encomendas, tem um problema difícil de resolver. Com os CTT portugueses, não raras vezes «Quem espera, desespera».
No âmbito do retalho, tenho analisado a forma como várias empresas funcionam em função do tempo disponível do cliente. É lícito pensar que este, medindo ao minuto, quase sempre, a sua vida, não pode «esperar sentado» a sua vez de ser atendido. Nos grandes hipermercados, é corrente a existência de enormes filas, em múltiplas caixas, havendo a perceção de uma enorme perda de tempo e de algumas injustiças. Saltar de caixa para caixa com o intuito de ganhar tempo, para lá de desesperar, não costuma resolver o problema. Pensarão os responsáveis nos fatores «tempo» e «equidade»? Verifiquei há dias, com muito agrado, num dos grandes hipermercados de Braga, a existência de filas únicas, fluentes e justas: quem chega primeiro é atendido primeiro. Porque demorou esta empresa tanto tempo a encontrar uma solução tão simples? E porque não adotam as outras empresas estratégias equivalentes?
O cliente será sempre o coração do negócio. Pensar nele, no seu tempo disponível, nas suas emoções e nos seus sentimentos, na forma como deve aprender a esperar sem desesperar, deve ser uma preocupação constante das empresas. Que devem compreender e satisfazer, para não morrer.
*com JMS
10 Outubro 2024
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