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Queijo premium e uma jovem afortunada

Ettore Scola e a ferrovia portuguesa

Queijo premium e uma jovem afortunada

Escreve quem sabe

2021-09-28 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

Num passado recente, bem longe do meu país, dirigi-me a um hipermercado. Dada a grandeza da minha fome, o intuito desta apressada deslocação seria o de comprar uma saborosa piza de tamanho familiar, produzida no momento. Parado no balcão, apercebi-me de que uma bela jovem estava a ser atendida. Aparentemente, segredou ao pizeiro que lhe colocasse, ao invés do queijo base, um queijo premium. O funcionário, presumivelmente enfeitiçado com generosa beleza, lá aceitou o seu pedido. Por segundos, ausentou-se do balcão, apressando-se a ir buscar o queijo gourmet a uma das arcas frigo- ríficas, dentro da superfície principal da loja. Aguardei expectante. No seu regresso, para contentamento da afortunada jovem, lá lhe cozinhou a maravilhosa piza, personalizada e a rigor. Sem que ele se apercebesse que dei conta daquela singela artimanha, pedi exatamente uma piza idêntica à da jovem. Infelizmente, o colaborador da loja negou-me o pedido. Apontou-me então para um menu em inglês, onde apenas poderia pedir receitas com ingredientes previamente definidos.

Surpreendido, mas sem querer levantar qualquer alarido, fiquei interessado em explorar algumas peculiaridades deste caso de estudo. Regressado ao hotel, dei azo à minha imaginação. Sentado na mesa do quarto, pensei em três potenciais impactos desta engenhosa venda. Em primeiro lugar, constatei uma lacuna no processo de fabrico de piza. Com certeza a piza deveria ter seguido uma das fixas receitas, com ingredientes pré-definidos. Não sendo possível a sua troca por outros elementos, acredito que a beleza da jovem lá conseguiu que o colaborador desrespeitasse um processo operacional. Em segundo lugar, devido às diferenças dos custos dos ingredientes, a margem real daquela venda estaria a ser bastante menor do que a margem inicialmente projetada pelas equipas centrais. Em terceiro lugar, não só existia uma grande probabilidade de se verificar um desalinhamento entre o inventário real e o do identificado no sistema, como também uma venda perdida do queijo substituto.

Curiosamente, estou aqui a analisar o tópico “quebra”. A pedido do meu colega de trabalho, ajudo-o a interpretar alguns relatórios da organização. De uma forma resumida e simplificada, os relatórios de quebra são geralmente divididos em duas grandes classes: a quebra conhecida e a desconhecida. No retalho, o estudo destes conceitos é uma constante desde há muitos anos. Sempre que um colaborador identifique quebra, um bom processo de negócio sugere que a mesma seja imediatamente identificada e registada no sistema informático. Dado que não existem grandes mecanismos de automatização deste processo, é necessário fazer periodicamente uma recontagem de inventário para garantir que os devidos ajustes são feitos. Nesse momento, infelizmente, não será possível identificar as razões para as potenciais diferenças entre o inventário real e o teórico identificado pelo sistema informático. Daí advém a constante problemática da “quebra desconhe- cida”, ou “sem razão”, e a consequente procura de soluções preventivas.

A relevância deste assunto é transversal a qualquer retalhista. Dado que a maioria dos processos no retalho estão dependentes de uma correta posição de inventário, e o mesmo lá vai misteriosamente desaparecendo pelos mais diversos motivos, é primordial que se garanta que a quebra seja atempadamente identificada ao longo da cadeia de abastecimento, registando-a também nos sistemas de gestão de loja e/ou armazém. Desta forma, não só se evitam consumidores descontentes, roturas de produtos nas prateleiras e reabastecimento insuficiente, como também se possibilita uma melhor tomada de decisão.
Acabei por me deliciar no quarto do hotel com umas suculentas fatias de piza. Infelizmente não consegui provar uma receita com queijo premium, mas garanto-vos que mesmo assim valeu bem a pena. Muito provavelmente, voltarei um dia para experimentar uma nova. Quem sabe, desta vez, não estará uma bela donzela do outro lado do balcão, capaz de me presentear também com ingredientes extra, bem mais saborosos.

*com JMS

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