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Quantas Balas Custa Uma Vida Inocente?

‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações

Quantas Balas Custa Uma Vida Inocente?

Voz aos Escritores

2022-06-03 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Estava uma manhã bonita. O Sol iluminava os que vinham para a escola, uns a pé, outros de bicicleta, outros de carro, os pais desejavam aos meninos, Have a nice day, alguns beijavam-se, outros abraçavam-se, alguns não sabiam que esse era o último beijo, o último abraço que davam aos seus filhos, pais que na obrigação de os instruírem, preparando-os para a vida, entregavam-nos à Morte, a Morte que lhes roubava o futuro, a Morte violenta na infância, a mais horrenda das Mortes.
Na cafetaria da escola, eu saboreava o café matinal depois do bulício de orientar as crianças para as salas de aulas, dali a dez minutos estaria na biblioteca da escola a preparar os livros para a tarde de leitura de algumas crianças, a cumprir a minha função de bibliotecária. Não foi assim. Ouvi os primeiros tiros, gritos, tiros, gritos. Paralisei. Depressa me consciencializei que era um ataque terrorista à semelhança dos muitos atentados que ocorrem nos E.U.A. Ouvi pedidos de socorro em vozes infantis aterrorizadas. Colei-me às paredes, desloquei-me ao corredor. O Medo não podia reter-me, tinha de ajudá-los. Fui puxando os que agarrava, empurrava-os para a sala do auditório, apontava-lhes os cortinados, o meu braço esquerdo dizia-lhes, Escondam-se, escondam-se, tiros, gritos, tiros, gritos. Vi-o. Um jovem imberbe na porta aberta de uma sala de aula a disparar tiro atrás de tiro, gritos, tiros, gritos, gargalhada do assassino que abriu com fúria a porta da sala seguinte, tiros, gritos, tiros, gritos, silêncio, o pesado silêncio da Morte.
A polícia aniquilou-o passada uma hora que me pareceu eterna. Sangue nas paredes, no pavimento, nas secretárias, nas cadeiras, corpos de meninos e meninas pintados de vermelho. A carnificina numa escola. Vi o corpo da minha colega caído sobre dois alunos. Vi o corpo de outra agarrado a duas crianças. Duas professoras que no desespero do terror tentaram protegê-las. Quantas crianças morreram? Quantas estão feridas? O barulho das sirenes era ensurdecedor, o choro das crianças sobreviventes ao massacre uma súplica uníssona de abrigo. No apocalipse, vi pais e avós que no exterior gritavam, outros abraçavam-se, outros rezavam. A polícia obstou-lhes a entrada na escola. Ergueu uma barreira. Escoava os feridos nas ambulâncias, os mortos também. Os agentes pediam aos pais fotos dos filhos para identificá-los, perguntavam-lhes o nome dos meninos e meninas, a idade, como estavam vestidos nesse dia, o dia que mudaria o resto das suas vidas. Alguns respondiam embargados, outros emudeciam, calados pelo medo, o pavor da perda abrupta daqueles que mais amavam, pais, avós, familiares e amigos silenciados pela tragédia. A espera agónica de um filho vivo ou morto. De um neto também.
Quando terminará esta barbaridade? Quando mudará a permissiva legislação de venda e posse de armas? Nos E.U.A. morrem por dia vinte e sete seres humanos vítimas de armas de fogo, um negócio que movimenta biliões de dólares por ano. O lobby das armas é poderoso. Financia a campanha das eleições dos senadores republicanos, custeou, maioritariamente, a propaganda presidencial de Donald Trump. As leis do senado manietam os democratas. Barak Obama e Joe Biden apregoaram a urgência na alteração das leis. O poder do dinheiro sobrepõe-se aos nobres propósitos. O dinheiro das armas é dinheiro lícito sujo, paga os lugares dos republicanos no senado, que num moralismo hipócrita, querem impor a penalização do aborto enquanto permitem que o comércio de armas seja profícuo e prossiga nas matanças. Tem mais valor a vida de um feto do que a de uma menina ou um menino em tenra idade? Quantas balas custa uma vida inocente? Quantos tronos compram? Neste país, há muitos cidadãos aficionados do armamento, clubes de tiro, encontros de armeiros, coleccionadores de material bélico, cidadãos que defendem que a posse de armas é um direito inerente à Liberdade, que ensinam e incentivam os filhos pequenos a usá-las, a empoderarem-se pela violência. E a violência gera violência. Pergunto a esses pais e aos senadores republicanos: e se forem os vossos filhos ou os vossos netos os próximos alvos dos atiradores assassinos?
O país que se apregoa a maior Democracia do Mundo, que pretende ser a maior potência do planeta, não protege as suas crianças, o futuro da nação. E quando não se cuida das gerações vindouras, o que acontecerá?
Neste massacre morreram duas jovens professoras e dezanove crianças.
As restantes quinhentas e oitenta e uma ficaram feridas para sempre.

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