Juntos por Braga: Um projeto vencedor
Ideias
2025-06-12 às 06h00
De George Orwell a Hannah Arendt, foram vários os pensadores do século XX que constataram a forma como a exposição contínua à tragédia nos torna progressivamente menos sensíveis à mesma. Com o passar do tempo, a repetição do choque já não gera ação - mas sim apatia. É precisamente isso que está a acontecer com o massacre humanitário em Gaza.
Quando um conflito dura há largas décadas, como é o caso da situação entre Israel e a Palestina, os novos acontecimentos são recebidos com uma dose crescente de normalidade. Por mais macabro que seja, trata-se de um mecanismo cognitivo que a espécie humana foi desenvolvendo ao longo da história, para proteger o cérebro e a capacidade analítica. Mas há momentos em que devemos desafiar essa predisposição.
Pessoalmente, considero que as sucessivas violações do direito internacional e da autodeterminação do povo palestiniano representam fator suficiente para uma condenação clara e convicta de várias ações de Israel - fator que não me faz desvalorizar, nem deixar de repudiar veementemente os ataques terroristas de 7 de outubro de 2023, por parte do Hamas. No entanto, reconheço que nem todos estão igualmente disponíveis para tomar esta posição.
Por isso, neste texto não pretendo debater sobre quem tem a razão neste conflito. Nem a quem pertencem os territórios sob disputa. Muito menos refletir sobre a “Riviera de Gaza”, proposta leviana de Donald Trump. Quero somente denunciar o estado atual da vida em Gaza e alertar para o imperativo moral de pressionar as instituições relevantes - incluindo o nosso Governo - a agir em prol da paz e do mais elementar respeito pela dignidade humana.
O acordo de cessar-fogo, que data ao início deste ano, permitiu várias rondas de negociação bem-sucedidas, mediante as quais Israel recuperou reféns do Hamas a troco de prisioneiros. Esse breve período de hiato viria, infelizmente, a ser esmagado pelo regresso às hostilidades na madrugada de 18 de março. Mas começou, ainda antes desse dia, o estrangulamento da vida em Gaza.
Com a suspensão das cadeias de abastecimento humanitárias, incluindo de comida, ou dos combustíveis e eletricidade para as centrais de dessalinização, que garantem acesso a água potável, o Governo de Benjamin Netanyahu decidiu deliberadamente acrescentar uma nova dimensão ao conflito. Chamemos as coisas pelos nomes: trata-se de matar lentamente o máximo de civis palestinianos, à fome e à sede. É um genocídio.
Desde outubro de 2023, o número de vítimas mortais em Gaza aproxima-se das 55 mil pessoas. E com o acesso bloqueado à ajuda humanitária, as Nações Unidas estimam que perto de três mil crianças em Gaza estejam em condições de privação nutricional aguda. Mais uma vez, vamos chamar as coisas pelos nomes: estas crianças estão a morrer à fome. É uma transgressão de tal forma violenta, que as palavras são escassas para a qualificar.
Ainda que a visão do povo israelita sobre este conflito seja idiossincrática, visto que são parte diretamente envolvida, temos assistido a crescentes manifestações públicas - de Israelitas, em Israel - que repudiam as intervenções desproporcionais e desumanas do seu Governo. Não existe maior testemunho da injustiça e brutalidade do que esta denúncia por parte dos próprios.
É neste contexto que tenho defendido, de forma repetida, que manter a paz como objetivo máximo implica uma reconfiguração das relações diplomáticas, tanto de Portugal, como da própria União Europeia. Mesmo que essa decisão corajosa nos afaste dos EUA - Trump e o Partido Republicano podem aceitar o destrato que Benjamin Netanyahu lhes dirige, mas essa atitude não nos deve contaminar.
Por um lado, chegou a hora de reconhecer formalmente a existência da Palestina. Não é compatível dizer que defendemos uma solução de dois Estados, quando não lhes atribuímos os mesmos direitos políticos e diplomáticos. Perto de 150 países do Mundo já o fazem, incluindo vários Estados-membros da União Europeia, pelo que Portugal não estará a tomar uma decisão irrefletida. Na verdade, estaremos apenas a corrigir um atraso na nossa política externa.
Esse posicionamento já tinha sido defendido pelo Partido Socialista aquando das eleições legislativas de 2024. E, perante a inação do Governo da Aliança Democrática, em fevereiro deste ano, assinei uma carta conjunta com várias personalidades da política, cultura, desporto, entre outros, a incitar ao reconhecimento do Estado da Palestina. Infelizmente, ainda aguardo novidades.
Por outro lado, os laços comerciais não podem estar escudados de repercussões diplomáticas. A revisão do acordo de associação entre a União Europeia e Israel, tal como decidido recentemente pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros, no âmbito Conselho da UE, é uma investida que peca por tardia. Afinal, um dos critérios estipulados é o respeito pelos direitos humanos - cláusula flagrantemente infringida por Israel.
Neste momento, a nossa capacidade de influenciar Benjamin Netanyahu implica mais coragem do que uma mera abertura deste procedimento administrativo. Exige a coragem política para uma suspensão imediata deste acordo, até que Israel restabeleça (no mínimo) o acesso a comida e a água para os cidadãos palestinianos que vivem na Faixa de Gaza.
Nenhuma das decisões propostas acima é um cheque em branco, ou posicionamento unilateral. Não significam que apoiamos ou validamos todas as ações da Palestina, nem que os direitos e liberdades do seu povo dependem apenas do fim da opressão externa. Não implicam que Israel não tem direito à sua defesa e segurança, nem representam qualquer tolerância para com o Hamas e os seus métodos radicais.
Significa, isso sim, que rejeitamos as tentativas de pintar este confronto político de forma simplista, como uma guerra religiosa entre judeus e muçulmanos, assim como rejeitamos as repetidas tenta- tivas de minar as Nações Unidas e o seu papel fundamental na persecução da paz.
Significa que nos mantemos defensores ativos da dignidade humana, da autodeterminação dos povos e do direito internacional.
10 Julho 2025
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