A pandemia, a transição digital e a nova gestão pública
Ideias
2013-01-12 às 06h00
Ângela Merkel disse que 50% da política económica é psicologia. Recebi esta confidência com orgulho, também com uma sensação de presente envenenado já que, no que aos fenómenos sociais respeita, usual é que invoquem a Psicologia de modo abreviado, com impasses instalados. Vale, então, como explicação aceite de algo que deu torto, quando melhor fora que tivesse sido chamada a participar desde a primeira hora.
Enquanto psicólogo, é claro que acolho sem surpresa a contabilização duma dimensão psicológica na economia, pela simples razão que hei-de reconhecer a presença duma faceta psicológica em todos os estados e produções do Homem.
Em concreto no terreno da Economia, uma dimensão psicológica encontrou validação em 2011, com a consagração de Sargent e Sims com o prémio Nobel da Economia, investiga-dores que propuseram uma matriz de cálculo para as expectativas pessoais e o seu impacto no plano macroeconómico. Naturalmente, desconheço o trabalho destes economistas, e não sei em concreto como a variável psicológica foi por eles tratada.
A declaração de Merkel corre num plano mais popular e, por muito rigor que falte a expressões que conferem valor percentual a fenómenos que objectivamente não foram medidos, da sua declaração decorre que não atribui mais realce aos imbricados cálculos económicos do que às elaborações evanescentes da Psicologia.
A alusão elogiosa da chanceler alemã à Psicologia, proferida vai para dois meses, aquando da sua fugaz passagem por Lisboa, tem pelo menos dois contextos e nuances muito precisas. A Psicologia que interessa a Merkel é a do estadista, que não pode dar como seguro aquilo que é duvidoso, que não pode dar como solução aquilo que só acrescenta problema, que não pode fazer finca-pé numa linha que logo abandona por outra não menos incontornável.
No alerta de Ângela Merkel, os políticos devem declarar inequivocamente que acreditam no que dizem, devem tomar cursos de acção isentos de dúvidas, pois é dessa convicção genuína, da justeza da adequação desse rumo convicto às condições e necessidades da Nação, que se forja a cumplicidade dinâmica entre os fiéis depositários do Poder e os diversos segmentos da Nação.
E seguramente que a estadista germânica sabia do que falava, tanto no que remetia para a história da Alemanha no pós guerra, como na alusão velada à soluçante política portuguesa. Nos últimos tempos têm-se falado muito do milagre alemão, da dívida monstruosa que os ale-mães tiveram que saldar. E por maciças que tivessem sido as transferências de capital no apoio ao renascimento económico do País, igualmente valioso foi um elemento psicológico intangível: a crença inabalável de que era possível recuperar o prestígio, mais de que era inelutável fazê-lo, e que enquanto esse objectivo vivificante não estivesse cumprido a tarefa não estaria concluída.
O que Ângela Merkel quis testemunhar em Lisboa perante o governo português, a advertência que quis fazer, é que a convicção da actuação colectiva, a disponibilidade para multiplicar sacrifícios, são tributárias da convicção do líder, da clareza e da adequação com que interpreta as urgências do País, e como com ele comunica.
Não sei como é que Passos Coelho absorveu esta súbita convocação da Psicologia para as práticas de Estado. Num discurso oficial tão pautado por contas e balanços, tão centrado em torno de buracos de milhares de milhão, depara-se o nosso primeiro-ministro com a esta-dista mais importante da Europa Ocidental que lhe confidencia que a Economia tem como irmã gémea a Psicologia.
Algum sentido fez porque, um par de dias depois, teve um discurso muito psicológico no relançamento da Sicasal: divagou sobre optimismo e pessimismo, sobre a derrapagem das finanças se dever a uma contabilização por defeito da gestão das expectativas dos particulares, e que a retracção excessiva e irracional dos consumidores fora uma total surpresa para o governo.
Passos Coelho operou com conceitos psicológicos, mas não foi essa psicologia que Merkel lhe recomendou.
E mesmo a prescrita pela chanceler alemã convém que seja tomada com muita precaução, ou não tivéssemos nós tido em José Sócrates um primeiro-ministro determinado, absolutamente convencido de que a sua perspectiva era a única correcta e conveniente, e o resultado foi o que se viu.
Em suma, o que Ângela Merkel poderá ter querido dizer em Portugal é que, tanto quanto lhe era reportado, poderia haver um problema de credibilidade no elenco ministerial português, credibilidade sem a qual o País não se mobilizaria plenamente, nem desenvolveria uma perspectiva de resultados que justificassem a assistência empenhada e paciente daqueles que estão em condições de nos dar a mão.
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