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“Portanto, saibamos caminhar e …caminhemos!”

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Voz aos Escritores

2023-03-17 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Entre a esperança e a justiça cresce a indignação. Há crimes dos quais não se regressa e não falo só da irrecuperável morte. O abuso sexual e a violação contaminam corpo e alma de um caminho sem retorno à pureza inicial. Um vendaval escancara uma porta, uma vertigem por caminho, escarpas que ferem e rasgam a cada toque. O teu corpo é o teu templo. Quando manchado ou ferido fica contaminado de nojo e negação.
Anos de raiva amordaçada, indignação adormecida, contorcida, nas noites enxutas de calmaria, umas após outras, mergulhadas em pesadelos, em tormentos, em surdinas.
Uma comissão. Uma digna comissão instaura confiança. Arriscam-se as primeiras confissões, confia-se neste novo caminho, neste novo tempo, nesta nova igreja, neste novo Papa. Finalmente um Papa que fala a linguagem dos seus crentes, que abre diálogos há muito esperados e que semeia luz. Uma janela de ar fresco sacode o cheiro a bafio. E dão-se os primeiros passos num caminho de esperança num tempo justo.
A coragem. 4815 actos de coragem, até agora. Enfrentar o que aconteceu. Aceitar que aconteceu, assumir que aconteceu. Uma palavra, um sentido, um rótulo que pode ficar colado à pele. Mas também um raio de justiça, de compensação, de caminho para que não volte a acontecer. Um passo para proteger outros, desconhecidos ou não, que possam estar à mercê destes monstros.
E era esta separação e salvaguarda imediata que todos esperávamos da Igreja. Proteger os inocentes e incautos, salvar e salvaguardar os indefesos, antes de mais nada. Limpar mais do que desculpar-se. Responsabilizar-se é arrepender-se. Agir, proteger e verificar depois, com julgamento digno.
A Igreja é composta por homens e os homens falham e pecam, disse-me um padre na minha última confissão. Por isso é imperfeita. Mas isto não está apenas no domínio dos pecados ou das imperfeições. Está no domínio do indesculpável e intolerável. Inadmissível. Por isso todos os passos dados em direção à luz são de limpeza. E de misericórdia. Têm de ser. Para poder haver novamente confiança. Para poder haver novamente palavra. E dignidade.
Pedro e a primeira pedra. A igreja que será de todos e para todos. Limpa de vendilhões, digna na palavra e na ação. Assim se espera, pelo exemplo. Imperfeita não é criminosa. Não é conivente. Não é encobridora. Não é inerte nem desnorteada. Não é cúmplice.
E indemnizar as vítimas é uma obrigação moral que deveria ter sido imediatamente reconhecida. Caso não queira, poderá ser criado um fundo ou uma conta para todas as esmolas reverterem para estas vítimas em vez de serem depositadas no cesto durante a missa (mas será mais uma vergonha, mais uma indignidade, se assim tiver de ser).
Os grupos de católicos têm-se mostrado verticais e indignados, entre vigílias e cartas abertas. Querem uma igreja limpa. Uma igreja segura. Querem uma igreja como sempre deveria ter sido.
Caminhamos desde os primórdios entre Abel e Caim, mas as mentalidades não podem servir de desculpa. É o que acontece quando se trabalha para a imagem e não para a fé. Ou para o valor moral, a retidão, o respeito pelo outro. A responsabilidade, individual ou coletiva, tem de latejar neste caso. Nestes 4815 casos. Se não lateja, algo de muito moribundo nos rodeia.
Pedro é pedra. É igreja. Deveria ser luz e vida.
Adenda: considerar que os padres podendo casar muito disto se evitava é um pensamento quase tão hediondo como o crime de que falamos. Basta ver o número de vítimas de pais, tios ou familiares próximos, casados.

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