A calculadora, o tradutor, o corretor e a combinadora
Ideias
2025-06-15 às 06h00
Anda por aí, sobretudo pelas redes sociais, grossa discussão a propósito dos discursos que, nas cerimónias do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, 10 de Junho, pronunciaram quer o Presidente da República, quer a comissária das comemorações, a premiadíssima escritora e conselheira de Estado Lídia Jorge.
E ambos proferiram magistrais lições de combate aos flagelos que estão a assolar o nosso país, vindos da extrema-direita populista, a xenofobia, o racismo, a discriminação. Por isso, foram de uma oportunidade flagrantíssima e com toda a pertinência.
Quer um quer outro condenaram vigorosamente os extremismos que vão marcando os dias que estamos a viver e que estão a tornar inseguro e imprevisível, mais do que seria desejável, o devir português.
Ambos afirmaram o elogio da “mistura” que caracteriza o nosso povo e apelaram ao humanismo como contraponto à loucura do poder e de ideias extremistas.
Marcelo Rebelo de Sousa, no seu último discurso do 10 de Junho, descreveu os portugueses como uma mistura de povos vindos de todas as partes ao longo de séculos e defendeu que ninguém se pode dizer mais puro ou mais português do que qualquer outro.
Ao "recordar os quase 900 anos da pátria comum", o Supremo Magistrado da Nação expressou "orgulho naqueles que a fizeram, vindos de todas as partes: gregos, fenícios, romanos, germânicos, nórdicos, judeus, mouros, africanos, latino-americanos e orientais".
Evidenciou ainda, “desde as raízes, lusitanos, lioneses, borgonheses, gauleses, saxões, os mais antigos aliados políticos. Recordar esses e muitos mais que de nós fizeram uma mistura, em que não há quem possa dizer que é mais puro e mais português do que qualquer outro", acrescentou.
Digressionando sobre a História nacional, Marcelo Revelo de Sousa relevou que "[há que recordar] o que delas soubemos acertar, aprender, converter em futuro nosso e da humanidade, mas também o que errámos, o que desperdiçámos, o que não fizemos em continentes e oceanos". "Tudo isto e muito mais definiu o que somos: experientes, resistentes, criativos, heróis nos momentos certos, capazes de falar línguas, de entender climas e usos, de conviver com todos, de fazer construindo dia a dia pontes", considerou, concluindo: "Nós somos portugueses porque somos universais e somos universais porque somos portugueses".
Uma bela lição de patriotismo, que alguns ditos “patriotas” se empenharam em desmerecer, em criticar estupidamente, num condicionamento de pensamento que começa a inquietar os espíritos livres. Já não se consegue desenvolver um pensamento ou uma ideia sem que venham os detractores extremistas a sustentar que não foi bem assim, que podia ser de outra maneira, que assim e assado, cozido e frito.
Na mesma linha de Marcelo, de sublinhar a excelente intervenção de Lídia Jorge, cujo currículo dispensa encómios de qualquer espécie e que pôs o dedo em algumas feridas, que para muitos são incómodas.
Por exemplo, quando destacou: "O poder demente, aliado ao triunfalismo tecnológico, faz que a cada dia, a cada manhã, ao irmos ao encontro das notícias da noite, sintamos como a terra é disputada. E os cidadãos são apenas público que assiste a espetáculos em ecrãs de bolso. Por alguma razão, os cidadãos hoje regrediram à subtil designação de seguidores e os seus ídolos são fantasmas".
Numa crítica ao racismo, a escritora e comissária mencionou que "em pleno século XVII cerca de 10% da população portuguesa teria origem africana - população que os portugueses tinham trazido arrastados".
E foi então ao ponto certíssimo, declarando enfaticamente:
"O que significa que por aqui ninguém tem sangue puro e a falácia da ascendência única não tem correspondência com a realidade, cada um de nós é uma soma do nativo e do migrante, do europeu e do africano, do branco, do negro e de todas as outras cores humanas. Somos descendentes do escravo e do senhor que o escravizou".
Neste contexto, a conselheira de Estado criticou "a fúria revisionista que assalta pelos extremos nos dias de hoje um pouco por toda a parte", um revisionismo que coloca em causa "os fundamentos institucionais científicos, éticos, políticos".
Lídia Jorge abordou ainda uma outra questão relevante, nos termos seguintes:
"O princípio da exemplaridade - essa conduta que fazia com que o rei devesse ser o mais digno entre dignos - está a ser subvertido pela cultura digital. O escolhido passou a ser o menos exemplar, o menos preparado, o menos moderado, o que mais ofende", apontou, acrescentando nós que é quem berra mais alto no hemiciclo parlamentar e nos comícios eleitorais, quem consegue manipular mais convincentemente, quem mais mente despudoradamente, quem mais desinforma os portugueses nas redes sociais, quem cultiva a falsidade como estratégia política, quem desvirtua e adultera a verdade, com o mero propósito de colher dividendos políticos.
Todos sabemos que os portugueses são o somatório das misturas de todos os povos que aqui chegaram desde a antiguidade e que no nosso território em crescimento foram deixando a sua cultura, modos de estar, de ser e de fazer. E também das terras e dos povos que fomos colonizando, absorvendo, para os quais emigrámos e de onde trouxemos aprendizagens diversas, genes e culturas renovados.
Portugal é também autor e actor da miscigenação com outras raças e etnias, do Brasil a África e à Oceania. Recebemos genes de outros povos, dos islâmicos, dos romanos aos judeus, levámos genes para outros povos, por esse mundo além.
Só por estultícia se pode continuar a alimentar a peregrina ideia de que os portugueses são uma raça pura e imaculada. Não são, porra! Esse foi o fundamento da propaganda do nazismo, à procura da raça ariana, dos cabelos loiros e olhos azuis, que deu na tragédia que todos conhecemos (excepto alguns negacionistas do Holocausto que, desavergonhadamente, são dos que professam as estranhas teorias puristas).
Como lembrava por estes dias Armando Esteves Pereira, director-geral editorial adjunto do Correio da Manhã “ser português não é definido pela cor da pele, é uma questão de sentimento de pertença a uma comunidade. E não é preciso ter nascido aqui para ser português ou morar cá para o ser, como aqueles descendentes dos que há 500 anos rumaram ao oriente e hoje em Malaca ainda se sentem portugueses. Mas esta semana o melhor exemplo contra a xenofobia é Nuno Mendes, filho de imigrantes, menino de um bairro pobre de Casal de Cambra, um genuíno herói português que domingo nos deixou a todos felizes, com o seu génio e arte. Ser português e racista é um paradoxo, uma contradição nos termos”. Claramente!!!
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