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Portugal e a Mão de Obra Importada

‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações

Portugal e a Mão de Obra Importada

Voz aos Escritores

2024-02-09 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Vai para a tua terra, preto, vai para a tua terra, monhé, vai para a tua terra, chinoca, vai para a tua terra, brazuca, vai para a tua terra, refugiado!
Tu, que na comodidade da tua casa erguida por mãos imigradas comes a fruta, os legumes, o pão que a terra dá e que mãos humanas estrangeiras colhem a troco de míseros salários rechaçados pelos portugueses, fruta que apodreceria, numa ironia à fome, se essas mãos calejadas não a colhessem, cala-te.
Tu, que no aconchego dessa casa, ao alcance de um pedido na moderna tecnologia, recebes a comida que te nutre transportada em motos, bicicletas e carros em terceira mão conduzidos por quem se dispõe em tudo laborar para a vida remediar, cala-te.
Tu, que te delícias com o peixe do nosso mar, pescado por redes e linhas e homens falantes de outras línguas, homens de terras longínquas que desafiam as tormentas das marés em busca do parco sustento na apanha do pão do mar, cala-te.
Tu, que reclamas do trânsito, das filas dos transportes públicos e do tardar do autocarro, ignoras que terias de esperar o dobro do teu valioso tempo se mãos de outros países não existissem para conduzi-los, nem haveria UBERS e TVDES que te proporcionam comodidade e aforro, tu, reflecte e cala-te.
Tu, que pelas manhãs encontras o teu local de trabalho limpo e asseado da lixeira que fizeste, o teu lixo eclipsado nas sujas e duras madrugadas por vassouras, aspiradores, detergentes e panos do pó de mágicos forasteiros, gente disposta a varrer a esterqueira nacional na busca de uma vida mais digna, cala-te.
Tu, que fazes parte de um país avelhentado e que para velho caminhas, um país de reduzida natalidade onde a população activa escasseia a passos largos e os jovens portugueses debandam para outros países de melhores e justos salários, vê os lares atulhados de idosos carentes de cuidados continuados, vê as mãos que deles tratam, são mãos de línguas cantadas na doçura de quem mima, mãos que largaram a terra-berço, braços incansáveis que erguem os corpos esmorecidos de vigor e amassam a tristeza da pátria distante, tu, vê e cala-te.
Tu, que queres hospitais, escolas, tribunais, recintos desportivos e de cultura, estradas asfaltadas, habitação condigna, edifícios erguidos por mãos externas, gruas, máquinas, cimento, tijolos manuseados por mãos importadas no árduo labor da construção civil e das obras-públicas, cala-te.
Tu, que desfrutas dos prazeres dos restaurantes, cafés, pastelarias e gelatarias, que deleitado bebes e comes as iguarias servidas por mãos imigradas em momentos que te fazem sentir a beleza e a importância de estar vivo, sem que disso tenhas consciência por ao teu alcance estarem sempre disponíveis como um dado adquirido, cala-te.
Tu, que fazes turismo no teu país, gozas férias e fins-de-semana em hotéis bonitos e cómodos, és hóspede apaparicado por mãos fugidas da guerra, da violência e da penúria, e se não és turista cá dentro, devias saber da riqueza e mais-valias que o turismo aporta ao teu país, desenvolve-o, prospera-o, o teu lindo país que carece dessas mãos fugidias em urgências de sobrevivência, tu, pensa e cala-te.
Tu, cidadão de um país outrossim alimentado das indústrias do vestuário, têxteis e calçado, da indústria do metal e demais produtoras, ignoras a perigosa carência de mão-de-obra nacional colmatada pela importação de mão-de-obra de outros países, tu, que devias conhecer esta verdade, cala-te.
Tu, ao contrário de achincalhares, criticares, denegrires, humilhares, desdenhares dos que para cá vêm trabalhar, cala-te e agradece. Importa-te com a mão-de-obra importada.
Muito mais do que mera mão-de-obra, são seres humanos. Acolhe-os e lembra-te que nós, Portugueses, também somos mão-de-obra dispersa pelo Mundo desde tempos distantes, e que nos lugares em que estejamos, gostamos de ser bem recebidos.
Tu, cala-te e solidariza-te.

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