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As férias e o seu benefício

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Escreve quem sabe

2021-10-01 às 06h00

Ricardo Moura Ricardo Moura

Escrito de chofre, o nome José Pacheco nada diz ao comum português. Nascido no Porto, este educador rompeu com o ensino tradicional em 1976 quando foi parar ao concelho de Santo Tirso onde revolucionou a então decrépita escola da Ponte. O furor foi de tal ordem que colocou este estabelecimento de ensino, nos anos 80, no topo do Mundo. Fez dela um caso de estudo, exemplo de ensino aberto, sem salas de aula, turmas ou testes, com objetivos de aprendizagem definidos, a cada duas semanas, por alunos, associação de pais e professores tutores.
O cocktail, em teoria amargo, revelou-se doce. A diferença das aulas convencionais de 50 minutos – tantas vezes aproveitadas para construir aviões de papel – está na ação. Cada aluno programa o trabalho. A meio da semana, em parceria com o tutor, preenche um plano de quinzena. O tutor é quem acompanha de forma individual e permanente o percurso curricular de cada aluno. Embora a base programática seja igual à das outras escolas, a abordagem é diferente, alinhada em seis áreas: linguística, lógico-matemática, naturalista, identitária, artística, pessoal e social. A ideia é formar homens com mais cultura, autonomia, responsabilidade e comprometidos com a sociedade.

Este modelo com 45 anos de experiência tem recebido, de forma sistemática, avaliação de excelência por parte do Ministério da Educação. Choca que não tenha espelho num país que viu fechar, na última década, perto de 3.500 estabelecimentos de ensino, entre desativações e fusões; ter a mais magra geração do 1.o ciclo da história e ver desaparecer do ensino público nos últimos anos perto de 200 mil alunos. Em contraponto, basta lembrar que na década de 60, Portugal chegou a ter 17 mil escolas de 1.o ciclo. Hoje não temos 4.000.
Vem isto a propósito do regresso de José Pacheco depois de vários anos a pregar no Brasil. O pedagogo quer, desta vez, criar polos de formação de educadores para o século XXI à luz do projeto Open Learning. Pacheco acredita que 10 mil escolas poderão receber a ideia até 2022. Nesse entretanto, irá para a estrada partir pedra, a começar pela Câmara Municipal de Pampilhosa da Serra, como há 45 anos fez na vila junto ao rio Ave. Em 2023, garante, quer contemplar o por do Sol, longe da intriga dos corredores escolares.

É uma segunda investida de um homem para alguns lunático, para outros um apóstolo na arte de antever o futuro. Entre muito que defende, alerta que o ensino que vigora bebe do que era propalado nos séculos XVIII e XIX. Escrito de outra forma, o atual modelo tem mais de 200 anos, daí que sustente que «temos alunos do século XXI, com professores do século XX, a trabalhar como no século XIX».

Triste sina para a língua de Camões. Um fado ainda mais pobre para alunos carenciados. Por estes dias, chegou-nos um estudo que revela o quão peregrinamos a diferentes velocidades. No período de confinamento, tendo tido ou não acesso a computadores, à Internet ou a aulas online, o desempenho dos alunos com menos recursos foi sempre inferior ao dos colegas oriundos de meios mais favorecidos. Quem o diz é o Instituto de Avaliação Educativa após ter cruzado as classificações das provas de aferição – destinadas a avaliar a literacia em leitura, ciências e matemática, feitas por cerca de 24 mil alunos de 313 escolas – realizadas em janeiro pelos alunos do 3.o, 6.o e 9.o anos de escolaridade com os resultados dos inquéritos que foram então aplicados sobre o seu contexto socioeconómico. Esta estatística não bate certo com o investimento que tem vindo a ser feito. A fazer fé no Governo, o custo por aluno nas escolas primárias e secundárias do ensino público atinge os 6.200 euros por ano, equivalente ao que sucede no ensino privado. Porém, no ranking o público fica a olhar para cima.

Neste vai e vem de dados, há outras marés. A título de exemplo, saber que em 2015 havia ensino superior em 40 municípios e que este ano letivo terá morada em mais de 130 localidades, isto é, em 30% dos municípios portugueses. Quem nos comanda garante que vamos ter, até 2030, seis em cada 10 jovens de 20 anos a estudar no ensino superior. Uma explosão de saber, tantas vezes invocada como criticada. Somos país de faca afiada com o alguidar por perto. Ignoramos o muito que somos. O potencial diferenciador de uma nação única. Este desprezo leva-nos, vezes sem conta, a não valorizar o muito que temos. Oxalá o mar não destape o pior da vela. Em alto mar, chamo para junto de mim as palavras de Agostinho da Silva e com elas rabisco o final: «Portugal desembarcou na África, desembarcou na Ásia, desembarcou na América. Só falta Portugal desembarcar em Portugal.»

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