Órfãos de Pais Vivos
Ideias
2023-03-21 às 06h00
Não é verdade que devamos deixar “à justiça o que é da justiça”, se por tal entendermos abrir mão do controlo crítico das suas decisões e libertar de qualquer amarra institucional os atos de quem investiga, acusa e condena ou iliba os cidadãos.
A administração da justiça é uma função constitucional da maior relevância e a primeira onde a condição social, as origens e o percurso de qualquer pessoa não pode servir de viés interpretativo a quem tem objetivamente de determinar factos e agir de modo consonante com o que a lei prescreve para as conclusões jurídicas que resultam do conjunto desses factos.
Não que se tenha de defender uma justiça inerte e insossa, em que o formalismo total consome e impede a busca da verdade material. Agora, o que se não pode admitir é que aquela se transforme num espaço de ressonância dos casos mediáticos ou, pior, que ela própria crie esses casos para efeitos que superam o escrutínio da mediana razão.
Ao longo dos últimos anos, temos visto como sucessivas operações de investigação, lançadas sobre tonitruantes nomes de código, redundam em muito pouco ou coisa nenhuma.
Se isto não é razão para afrouxarmos o combate a fenómenos de criminalidade reais e de crescente sofisticação e perigosidade, tal também não pode servir para aceitarmos acriticamente todas as desculpas que nos dão para justificar o insucesso dessas operações.
A morosidade a que assistimos em casos onde a complexidade dos processos o impõe, como os fenómenos da corrupção e evasão fiscal no processo Marquês ou no processo BES, já não é fácil de aceitar, tal é a escala da demora e tendo em vista a prioridade que o Ministério Público confere a tais investigações e os meios que coloca no terreno.
Mais difícil ainda se torna perceber, porque é que casos como o “Tutti-fruti” ou das viagens de políticos ao Euro 2016, ficam e ficaram a marinar durante anos. Em alguns casos, sem, ao menos se assistir a uma acusação e, em muitos outros, com absolvições totais e inapeláveis.
Note-se, a justiça não tem de investigar e acusar apenas o que seguramente e sem qualquer margem para dúvida redundará em condenação, mas tão pouco pode conformar-se com autênticas flagelações públicas e por tempo indeterminado, em casos em que a prova é de tal forma débil que apenas o decurso do tempo pode esconder o quão infundamentada foi a opção de acusar.
O que também não pode aceitar-se são argumentos “ad terrorem”, esgrimido para assustar a população, quanto a determinados meios de prova e à sua admissibilidade legal.
Falo, concretamente, do caso dos metadados. Vejo e revejo pessoas com responsabilidades, avançando argumentos demagógicos e que não podem deixar de saber que o são, por forma a interpelar o legislador para agir num determinado sentido.
O Tribunal Constitucional, na esteira do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia, veio considerar inconstitucional a famosa lei dos metadados.
De forma breve, posso e devo dizer que os termos em que a Lei n.º 32/2008 admitia a recolha, conservação e disponibilização de tais informações sobre as comunicações ocorridas entre quaisquer cidadãos eram excessivos, decorrendo por um período de tempo exagerado e transformavam cada um de nós em suspeitos de criminalidade. Sim, ao abrigo desta lei, qualquer português era suspeito, até prova em contrário. E é essa especial perigosidade para a dignidade humana que tem de levar a um particular zelo nas condições em que nós, cidadãos e comunidade político-jurídica, podemos tolerar tal meio de prova.
Este problema não é meramente nacional. Como já se repetiu à saciedade, a lei dos metadados resulta parcialmente da transposição de uma diretiva da União Europeia, ela própria julgada inválida pelo tribunal europeu. Isto significa, em traços simples, que nenhuma solução constitucional que permita a repristinação das soluções que estavam plasmadas na defunta lei n.º 32/2008 possa ser aceitável no contexto da União onde Portugal se insere. Desengane-se quem acha que pela porta do cavalo (CRP) entrará o que não cabe na porta da frente (Carta Europeia dos Direitos Fundamentais).
Mas não é só a justiça que tenta entrar pela política adentro.
Infelizmente, também alguns políticos vão tentando que a justiça compense a sua inabilidade ou incompetência.
Por cá, soubemos recentemente que o famigerado caso da Quinta das Portas, a urbanização que há 60 anos esperava por uma solução e que só o executivo de Ricardo Rio conseguiu resolver não violou a lei.
Nem violação do PDM, nem violação das regras de conduta. Nada.
Bem nos lembramos de quem tentou politizar a solução urbanística que hoje é quase unanimemente saudada. Desde profissionais das providências cautelares até ao atual líder do PS, Pedro Sousa, foram vários os que tentaram judicializar uma questão meramente política e técnica. Esses, sim, os verdadeiros derrotados de mais uma vitória da cidade. Que, ao menos, sirva de lição.
02 Junho 2023
01 Junho 2023
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