As férias e o seu benefício
Escreve quem sabe
2022-01-21 às 06h00
Ainda não tenho meio século de estrada e já carrego uma infância de ficção. Não preciso esbracejar para explicar à geração que agora ganha autonomia que a raiz da minha formação foi cultivada por entre fotocópias, alguns livros, sem telemóvel e onde a palavra Internet zumbia no ouvido.
Este mote surge porque tropecei na obra “A Fábrica dos Cretinos Digitais”, publicada há escassas semanas entre nós. Michel Desmurget, diretor no Instituto Nacional da Saúde e Pesquisa Médica de França, desmonta a tese daqueles que defendem que a tecnologia criou, ao longo destes últimos anos, um corredor de seres pensantes de excelência. Este neurocientista francês vai ao ponto de classificar o presente como uma «treta» que coloca pequenos e grandes, reféns de uma indústria – videojogos e redes sociais – que sabe bem o que está a fazer. Um período ao qual chama de “descerebração” que vai trazer a fatura mais tarde ou mais cedo.
Nos anos 80, o tempo livre era passado na rua. A casa era para comer e dormir. Pelo meio, o estudo para quem tinha posses e queda. Brincar era andar atrás da bola e a jogar ao esconde-esconde, polícia e ladrão, cabra-cega, macaca, malha, escondidas, estátua, pião, mata, berlinde e por aí fora. Por norma, éramos todos magros e ágeis. Não estranhava ver um ou outro pendurado em árvores, muros e paredes. O cachaço estava sempre pronto e ai de quem levasse para casa amuos ou queixas.
Este viver sem rédea começou a ser encurtado com o aparecimento da televisão em escala. O início até foi prometedor. Basta pensar nos doces e memoráveis desenhos animados Abelha Maia, Bell e Sebastião e Scooby-Doo. A juntar a estes, os da Europa de Leste apresentados pelo lendário Vasco Granja. Inesquecível os clássicos da literatura contados em versão infantil como Dartacão e os Três Moscãoteiros (Os Três Mosqueteiros - Alexandre Dumas), Willy Fog (A Volta ao Mundo em 80 dias - Júlio Verne) e Tom Sawyer (Tom Sawyer - Mark Twain). Porém, esta inocência foi armadilhada e entrou em cativeiro. A casa passou a ganhar relevo, divorciou a partilha de tal ordem que a rua é hoje barulho de silêncios.
Não espanto quem me estiver a ler ao escrever que o humano está a regredir em termos cognitivos e de capacidades intelectuais. O cérebro abraçou a falta de socialização. Caminha sozinho. Tornou-se sedentário. Preguiçoso em querer saber mais. A falta de vício é, em grande parte, justificada pelo manancial que está à distância do clique. Um carrocel de ofertas cintilado e semeado em smartphones, tablets, computadores e televisões de cair o queixo.
É este Mundo sedutor, tantas vezes disfarçado de sorriso, que entra em nossa casa. Um curto circuito que não pede licença e no qual anuímos por conveniência e cobardia. Uma ilusão que provoca ausência de saber com autoridade. Mais grave é entrar sem bater à porta. A ilustrar, este dado: em Portugal, uma organização é atacada, em média, 881 vezes por semana, mais 80% em relação a 2020. O anúncio, na maior parte dos casos, fica na gaveta. As empresas esgravatam e pagam para repor a crente normalidade. Por vezes, sabe-se como sucedeu há dias ao termos conhecimento do assalto perpetrado pelo bando Lapsus$ aos sites do grupo Impresa (Expresso, SIC, Opto, entre outros meios e serviços). Sem retirar mérito ao apogeu tecnológico, é pólvora seca que onera a saúde – obesidade, doenças cardiovasculares e menor esperança de vida – potencia atitudes – agressividade, depressão e ansiedade – e trava o desenvolvimento intelectual em áreas como linguagem, concentração e memorização.
A última doutrina científica reforça este argumento ao defender que os nativos digitais são os primeiros filhos a terem um QI inferior ao dos pais. Um paradoxo quando sabemos, por exemplo, que aos 2 anos, as crianças dos países ocidentais consagram todos os dias quase três horas a ecrãs. Contas feitas, por ano, são cerca de mil horas para um aluno do 1.o ciclo do ensino básico (quase o mesmo número de horas de um ano escolar) e 1.700 para um do 2.o ciclo. Já para um aluno do 3.o ciclo e do ensino secundário, são 2.400 horas anuais, o mesmo é escrever que equivale a um ano e meio de trabalho a tempo inteiro.
É nesta orgia digital que a procura borbulha. Flutua no ensinar e no ser ensinado. As exceções existem como sempre existiram nos momentos de rutura. Aqui o barómetro deixa pouca margem para outro caminho. A regra é clara: ou entramos no comboio ou ficamos na paragem. Quem não verga, paga caro. Caso tenha uma almofada de notas ainda pode aspirar a contornar a marcha, caso contrário limita- se a sentir o cheiro impiedoso da perda.
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