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Os meninos de papel e de silêncio

“Portanto, saibamos caminhar e …caminhemos!”

Os meninos de papel e de silêncio

Voz aos Escritores

2023-02-24 às 06h00

Fernanda Santos Fernanda Santos

Todos os dias as setas, manchetes de sangue,
são dirigidas a crianças, com precisão,
poemas obscuros movidos pelo medo
e pelo silêncio vão.

Basta. Assim não!

É urgente sangrar o medo
e deixar o silêncio falar.

Fernanda Santos

As notícias sobre a guerra, os sismos e os abusos da igreja passam, infelizmente pelas crianças. Eis que a pergunta seja feita: que fazer com as crianças que, inevitavelmente, serão confrontadas com estas imagens na televisão, na escola, na rua ou com os amigos? Como mãe, considero que não vale a pena esconder da criança esta realidade. A melhor opção é sempre explicar o que está a acontecer, pois o silêncio, a tentativa de ignorar e de deixar passar não são uma boa escolha. É desaconselhável deixar as crianças entregues a imagens duras e dolorosas sem qualquer tentativa de explicação e enquadramento. Ao contrário do que se possa pensar, as crianças adquirem muito cedo a distinção entre realidade e ficção. Por isso, no caso dos abusos sexuais, elas sofram tanto em silêncio.
Se recuarmos ao tempo da Casa da Roda ou dos Expostos, as crianças eram mantidas sob a administração da instituição até aos sete anos, idade em que podiam ser reclamadas pelos seus familiares, quando estes apareciam, uma vez que o Município só era responsável por eles até aos sete anos, partindo do princípio de que uma criança com essa idade já se podia defender.
Podemos, assim, falar de meninos de papel, a história da infância abandonada, em particular a dos recém-nascidos expostos nos lugares públicos ou depositados nas rodas, encontra-se confiada a caduca memória de papel dos documentos produzidos pelas instituições que os acolhiam. Eram crianças cuja existência se iniciava com o abandono; a sua vida era assinalada com um registo feito no momento da entrada na instituição.
Assim, sempre que uma criança era colocada na roda, que tinha ao seu lado um sino que servia para avisar que a roda tinha lá um novo freguês, a rodeira (a pessoa responsável pela recolha) verificava a marca que a criança trazia– uma tesourada no cabelo junto à testa ou orelha, uma medalha, com a figura de um santo ou qualquer outro símbolo– isto é, qualquer coisa que a pudesse vir a identificar, no caso de mais tarde vir a ser reclamado. Num livro próprio, era anotada essa marca e bem como a data em que foi ali depositada como de uma encomenda se tratasse.
Por vezes, um bilhete anónimo colocado na sua roupa informava que o exposto já tinha sido batizado e tinha já um nome. Muitas delas traziam apenas aquela marca, como de um animal que vai para a feira se tratasse. O silêncio nestes casos era avassalador.
Não será difícil inferir que a entrega de um exposto à Casa da Roda era, normalmente, motivada pela falta de condições das mães pelo seu sustento e tratamento e não por simples abandono. Imagine-se o coração de uma mãe a sangrar de dor. Os expostos eram, depois, entregues a amas criadeiras, que recebiam um determinado salário para o sustento e criação dos expostos.
Se é certo que algumas os acarinhavam como seus filhos, outras havia que apenas serviam para os explorar, dedicando-os à mendicidade. Pobres crianças! Duplamente expostas! Duramente condena- das!
Foram esses e outros abusos, nomeadamente os sexuais, que estiveram na origem de sofrimentos incomensuráveis, que marcaram vidas inteiras.
Se os sismos são provocados por causas naturais, a guerra podia ser evitável se os homens respeitassem os direitos humanos e escolhessem viver em paz. Os abusos sexuais são uma praga horrenda que nos enojam e nos enchem de vergonha.
É, por isso, urgente sangrar o medo e deixar o silêncio falar, para que todos os menores e pessoas frágeis se sintam protegidos e seguros em todos os ambientes da nossa sociedade.

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