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Órfãos de Pais Vivos

As emoções no outono

Órfãos de Pais Vivos

Voz aos Escritores

2023-06-02 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

Na História recente da Humanidade a intromissão do Estado nas ligações parentais é uma realidade por vezes brutal. Hitler, apoiado por Heinrich Himmler, instituiu o programa Lebensborn baseado na patranha da raça pura, política que legitimava o roubo de filhos aos casais dos países ocupados pelos nazis, meninos e meninas de características arianas, olhos claros, pele alva, cabelos outonais, crianças saudáveis sem aparentes deficiências entregues a casais nazis ou institucionalizadas para serem educadas na ideologia eugénica do grande líder. Como Hitler, Franco, o generalíssimo espanhol, ordenava aos seus sequazes que retirassem os filhos aos presos políticos para que o Estado pseudo-paternalista os criasse como Deus manda. Em Espanha, ainda hoje há filhos que procuram os pais, pais que procuram os filhos, irmãos que buscam irmãos e avós que não querem morrer sem saber o paradeiro dos netos esfumados nas brumas da tirania. Na Roménia dos anos sessenta do século passado, o ditador Nicolae Ceausesco, no intuito de aumentar a natalidade e fortalecer a economia do país pelo aumento da mão-de-obra e da produtividade, ordenou a imiscuidade do Governo na vida dos casais em idade fértil e o Estado tomou a seu cargo os “meninos de Ceausesco”, crianças encafuadas em asilos sobrevivendo em condições sórdidas e desumanas. Nos últimos anos, a comunicação social divulgou as atrocidades cometidas em Inglaterra no âmbito da pomposa proclamada protecção das crianças e jovens: os tribunais decretavam a retirada dos filhos aos progenitores biológicos e institucionalizavam os descendentes, meninos e meninas agora jovens que relatam os maus-tratos sofridos nas instituições e nas casas de acolhimento pagas pelo Estado, o sofrimento pela ausência dos pais, o estigma perfurante e perpétuo do abandono por quem os devia amar e cuidar, a frieza do trato e a inexistência de afectos. Alguns casais portugueses com filhos menores, emigrados em Inglaterra, estão entre esses pais.

O genial filme Listen de 2020, realizado por Ana Rocha de Sousa, elucidada essa terrível verdade, a ficção inspirada na realidade nua, dura e crua. No Portugal democrático, crescem o número de casos de proge- nitores a quem é interditada a paternidade e a maternidade em nome do supremo bem-estar da criança. Ninguém, no seu perfeito juízo, contradiz que uma criança deva ser amada e bem tratada, protegida, alimentada, educada, meninos e meninas em lares de harmonia a quem são colmatadas todas as necessidades, crianças e jovens protegidos da violência, das ameaças e dos abusos. O que na verdade se deve questionar e mudar é o processo que legaliza a interdição do poder paternal, um processo intrincado e moroso que resvala na perversidade ao sentenciar o afastamento dos filhos dos bons pais e boas mães. Urge igualmente avaliar a competência e a idoneidade dos técnicos envolvidos nos casos de regulamentação do poder paternal, técnicos cujos pareceres sigilosos não são passíveis de contraditório pelo pai ou pela mãe em questão, pareceres que determinarão o destino da criança ditado pelos magistrados assoberbados de trabalho. Esta função técnica é desempenhada por pessoas, por tal sujeita a falhas, e ténue é a linha que separa a caridade do poderzinho. Se o Estado enche a boca com o supremo interesse da criança, que actue em conformidade, perícia e ponderação, ouça e atente a todas as partes envolvidas, apoie as famílias carenciadas e não as decepe de filhos alicerçado nos meros pareceres técnicos mancos de fundamento científico e factual. Chegamos a perigosos extremos de um homem e uma mulher serem rotulados de pais incompetentes pela incapacidade de pagarem as contas da água e da luz.

Os filhos nascem para serem criados pelos bons pais e boas mães: esse é o supremo bem-estar da criança, desfrutar de uma família e de um lar. A união entre pais e filhos só pode ser contestada perante situações críticas. Existem pais e mães que estão há anos sem os filhos, ou vêem-nos ocasionalmente sob a vigilância dos técnicos. Há irmãos que são separados, gémeos apartados, sofredores das chagas das rupturas fraternal e parental.
A dor do abandono não sara, é ferida que sangra do berço à cova. Esta semana, foi notícia a condenação de duas técnicas da segurança-social responsáveis num caso que se arrastou por quase uma década: uma mãe, vítima de violência doméstica judicialmente comprovada, a quem foi retirada a guarda das três filhas, recuperou a tutela das menores após anos de luta e sofrimento, mãe guerreira que não se conformou com as contrariedades burocráticas nem as iniquidades processuais, fez greve de fome, fundou uma associação de pais mutilados de filhos vivos, gritou ao mundo as dores de fêmea golpeada, ajudou e ajuda progenitores e avós a reaverem os filhos e netos. As técnicas foram condenadas a penas de prisão suspensas e ao pagamento de uma indemnização a esta mãe guerreira. Ironicamente, as técnicas sentenciadas continuam no exercício da função pública, e nenhum dinheiro do mundo pagará os dez anos da convivência roubada à mãe e às suas três filhas.

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