Rolha na boca
Ideias
2019-01-25 às 06h00
Quase dois milhões de empregos impactáveis, tal é o diagnóstico brandido pelo presidente da CIP. E sim, o senhor António Saraiva refere-se apenas a Portugal e tendo magras décadas por horizonte. A automação e os robots são uma ameaça ao rendimento dos portugueses, diz o porta-voz dos patrões, como se a casta que representa o não fosse, e de há muitos e bons anos. Está preocupado, o senhor Saraiva, com o aperto das classes operárias, e pede reforço de verbas para a formação profissional de base e para a conversão de segmentos da força de trabalho adulta, dotações que o empresariado geriria com vantagem acrescida, crê-se, por participar do real.
Pudesse o senhor Saraiva matutar nos problemas da semana que vem, porque os de hoje estivessem resolvidos desde anteontem. Sufocamos em atmosfera saturada de pobreza instalada e prenunciada. Há sempre um penduricalho ou uma novidade que nos arrasta para baixo. Portugal naufraga sem acontecer, sem mesmo chegar a sair da doca. Passeamos entre bancarrotas, chafurdamos em rentabilidades anémicas, e ainda assim há quem se alambaze com milhões. Vivemos de queixas trocadas: nunca o trabalhador é bom, dizem uns, nunca o mandão o foi, dizem outros. Vai a carroça onde o carroceiro a leva, e o macho que não singra em Portugal, que não tem rasgo nem pulmão, prova ser um puro-sangue de corrida em atrelagem de hipódromo estrangeiro – dá o litro, mas come à farta, sua, mas tem direito a banho e a box espaçosa e limpa.
Ai a Educação. Ai a Formação. Ai a Cultura. Não dá para perceber: como é que aquilo que não é suficiente para criar riqueza cá, o é para a produzir por tudo quanto é lado? A quem se apresta o governo para comprar novos comboios e novos vaivéns para o estuário do Tejo? Fica mais caro produzir dentro de portas? Mesmo?
O sebastianismo é uma orfandade. Ontem como hoje, o Estado não é pátria nem mátria, não é organizador eficaz nem potenciador ambicioso. Cansa. Precisámos de um ministério do cidadão, espécie de alfaiate de corta e cose que nos afine fatiota à medida, fardeta que nos torne super-heróis do quotidiano, habilitados, assim, a ganhar o que os finos ganham, e a destrocar em iguarias de deuses aguar. Precisámos que Portugal se afine e alinde por inteiro, sem subterfúgios, sem trunfos de batoteiro, sem falsas catástrofes, sem frases de belo efeito para aplauso de correligionários.
Precisámos que Portugal pense em si, prescindindo de maçar os portugueses com falácias económico-financeiras. Precisámos que Portugal passe da explicação do marasmo aos actos, e que não nos cilindre com sucessos websumiteiros e startupistas, com uma galeria de génios dotcomes, com neodarwinismos de travo liberal: adapta-te, ou põe-te na alheta; adapta-te, ou definha.
Nenhum futuro prescinde de nenhum passado, os ofícios de ontem coexistirão tranquilamente com os comércios electrónicos de amanhã, e não há robot que ferre e apare os cascos dos cavalinhos das proles do senhor Saraiva. Inquieta-se, o senhor Saraiva, com um estudo que distribui etiquetas de inútil por uma porrada de portugueses. Fica-lhe bem, e contaremos com ele para sanar o problema. Muito se lhe agradeceria, entretanto, que se incomodasse com o rendimento dos assalariados, aqui e agora, com a produtividade das empresas que estão sob o seu chapéu.
Guarde, pois, o senhor Saraiva, o papão dos robots. Entretenha-se, querendo, com R2-D2, com C-3PO, com a Sofia, partilhada a meias com o Mário Crespo, que me puxa, a mim, para a Lena d’Água. Só preciso de encontrar o file no disco duro, ou na K7, posto que sou antigo.
28 Fevereiro 2021
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