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Braga, terça-feira

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O voto da Carolina

Uma Europa e um Ocidente em crise: a ascensão da direita

O voto da Carolina

Ideias

2024-05-26 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Assinala-se na próxima terça-feira, dia 28 de maio, o 113.º aniversário de uma das maiores conquistas das mulheres portuguesas: o direito de voto.
Logo que foi derrubada a Monarquia, em 1910, houve necessidade de proceder à realização de eleições para a Assembleia Constituinte, que ocorreram a 28 de maio de 1911.
Aí houve a necessidade de se proceder à elaboração de uma lei eleitoral, a mesma foi publicada em Diário do Governo, de 15 de março de 1911. Nessa lei ficou mencionado, no seu capítulo II (art. 5.º) que “São eleitores todos os portugueses maiores de vinte e um anos, á data de 1 de maio do anno corrente, residentes no território nacional”, que souberem ler e escrever.
Ficou também clarificado que podiam ser eleitores os que fossem “chefes de família, entendendo-se como taes aquelles que, há mais de um anno, á data do primeiro dia de recenseamento, viverem em comum com qualquer ascendente, descendente, tio, irmão, ou sobrinho, ou com sua mulher, e provem os encargos de família”.

Logo que foi instaurada a República em Portugal, algumas mulheres organizaram-se com o objetivo de alargar os seus direitos, num país marcado pela ruralidade, pela elevada taxa de analfabetismo e por uma sociedade profundamente controlada pelos homens. É neste contexto que surgem as mulheres pioneiras na luta pelo feminismo no nosso país, preocupando-se em criar uma sociedade mais igual entre homens e mulheres.
A 7 de fevereiro de 1911 o jornal “Commercio do Minho” revelava que as feministas Ana de Castro Osório, Maria Laura Monteiro Torres e Carolina Beatriz Ângelo entregaram ao presidente do governo uma mensagem, “assignada por toda a commissão de propaganda feminista e suffragista, solicitando o direito de voto para a mulher economicamente independente”. Acrescenta ainda que o “snr. dr. Theophilo Braga, considerando justo o pedido, prometteu dedicar-lhe toda a sua uttenção”.

Com este pedido estava dado o primeiro passo para que as mulheres pudessem exercer o seu direito de voto em Portugal.
O pedido destas mulheres sufragistas não foi fácil de aceitar, mesmo num regime que procurava desenvolver os valores da igualdade, como os da Primeira República. Neste sentido, a 3 de maio de 1911 o Conselho de Ministros reuniu-se, deliberando que fosse ouvida a Procuradoria-Geral da República sobre a sentença judicial que manda inscrever no recensea- mento eleitoral Carolina Beatriz Ângelo, médica, que decidiu recorrer à Justiça para exercer o seu direito de voto.

Carolina Beatriz Ângelo, presidente da Associação de Propaganda Feminista, referia que a lei eleitoral de 15 de março de 1911 não a impedia de votar uma vez que mencionava que “São eleitores todos os portugueses maiores de vinte e um anos, á data de 1 de maio do anno corrente, residentes no território nacional”, que souberem ler e escrever. Não clarificando se se tratava de cidadãos do sexo masculino ou feminino.
Carolina Beatriz Ângelo argumentou ainda que era chefe de família, pois era viúva de Januário Duarte Barreto. De referir que o seu marido (Januário Barreto) foi uma figura de grande prestígio em Lisboa, destacando-se como médico, árbitro e grande conhecedor das regras do futebol. Foi também o primeiro presidente eleito do Sport Lisboa e Benfica, cargo que exerceu entre 18 de dezembro de 1906 e 13 de setembro de 1908. Nasceu na Covilhã em 1877 e faleceu (de tuberculose) em Lisboa a 23 de junho de 1910.

No dia 3 de maio de 1911 foi incluído o nome de uma mulher nos cadernos eleitorais, precisamente o de Carolina Beatriz Ângelo. A decisão judicial foi dada pelo juiz João Baptista de Castro, pai de Ana de Castro Osório.
O dia das eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 28 de maio de 1911, constituiu, para Isabel Lousada, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais “uma das páginas mais significativas da história das mulheres em Portugal”, pois permitiu que a primeira mulher exercesse o seu direito de voto em Portugal.
Os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas no círculo eleitoral de Braga, a 28 de maio de 1911, permitiram eleger os seguintes candidatos: Dr. Joaquim José de Oliveira, com 6263 votos; Joaquim José de Sousa Fernandes, com 6110 votos e Dr. Joaquim José de Freitas, com 5918 votos, em representação do Governo, e João Carlos Nunes de Palma, com 5500 votos, pela minoria.

De referir ainda que as eleições no concelho de Braga decorreram com normalidade, não havendo necessidade de chamar às assembleias eleitorais do concelho qualquer força militar ou policial.
O feito alcançado por Carolina Beatriz Ângelo não durou muito tempo, porque os republicanos não tardariam a alterar a lei eleitoral acrescentando à lei a palavra “masculino”!
Assim, no “Diário de Governo”, de 3 de julho de 1913, foi publicada a alteração à lei eleitoral, promulgada pelo Presidente Manuel de Arriaga, onde se clarifica, no Capítulo I (Artigo 1.º), que: “São eleitores de cargos legislativos e administrativos todos os cidadãos portugueses do sexo masculino, maiores de 21 anos ou que completem essa idade até ao termo das operações de recenseamento, que estejam no pleno gozo dos seus direitos civis e políticos, saibam ler e escrever português, e residam no território da República Portuguesa”.

Com esta alteração, as mulheres ficaram novamente impedidas de votar, pois só o poderiam fazer os “cidadãos portugueses do sexo masculino”!
A lei eleitoral de 1913 impedia o direito de voto às mulheres, mas também aos “alienados”, aos “falidos”, aos “vadios” e aos “indigentes”!
Carolina Beatriz Ângelo morreu no mesmo ano em que votou para as eleições do primeiro Parlamento republicano, a 13 de outubro de 1911, com 33 anos.

Só após o 25 de abril de 1974 é que foram abolidas em Portugal as restrições ao direito de voto, baseadas no sexo dos cidadãos e foi consagrado o sufrágio universal.
Foi através do decreto-Lei n.º 621-A/74, de 15 de novembro, no seu Artigo 1.º que ficou clarificado que “São eleitores da Assembleia Constituinte os cidadãos portugueses de ambos os sexos, maiores de 18 anos, completados até 28 de Fevereiro de 1975, residentes no território eleitoral ou nos territórios ultramarinos ainda sob administração portuguesa…”.
Apesar das inúmeras conquistas obtidas nestes últimos 50 anos, algumas desigualdades entre homens e mulheres ainda persistem em Portugal.

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