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O Véu da Vergonha

‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações

O Véu da Vergonha

Voz aos Escritores

2022-10-21 às 06h00

Joana Páris Rito Joana Páris Rito

O Irão, durante o reinado de Mohammad Reza Pahlavi e da sua esposa Farah Diba, assistiu ao aligeirar das rígidas e castradoras regras que reprimiam as Mulheres. Nesse tempo, deu-se a Revolução Branca, aboliu-se o rigoroso código de vestimentas que obrigava as Mulheres a usarem véus, concedeu-se-lhes o direito ao voto, à participação na vida política, aprovou-se a Lei de Protecção à Família que incluía o casamento livre e o divórcio, aumentava-se a idade mínima dos casamentos das Mulheres de 13 para 18 anos e estabelecia-se que os homens somente podiam ter uma esposa. Havia discotecas e locais de entretenimento, não existia segregação de género nas escolas e universidades, as Mulheres eram livres de conviver, livres de escolher, algumas ocupavam cargos de ministras e na magistratura.
A Revolução Islâmica de 1979, sob a égide de Ayatollah Khomeini, depôs o Xá da Pérsia e o Irão retrocedeu na mentalidade e no tempo: a Revolução Branca deu lugar à revolução negra. Desde então, as Mulheres retornaram à Idade das Trevas aprisionadas na penumbra mórbida das casas, nos esvaídos mantos escravos de eterno luto pela vida, Mulheres encapuçadas nos véus da vergonha, segregadas das escolas, da maioria das profissões, impedidas de socializarem. Homens e mulheres sem parentesco são presos pela “Polícia da Moralidade” quando apanhados a confraternizar. Mulher digna quer-se mansa e invisível. Mulher honrada é muda e conformada.
O código do vestuário feminino proíbe às Mulheres vestirem-se de modo “impróprio”: não mostrar o cabelo em público, não usar saias curtas nem calças e roupas justas, não alindar-se de cores vivas e adornos chamativos, nada que espevite a luxúria e a fraqueza natural e compreensível dos corpos másculos, um homem não é de ferro e são elas, pecadoras messalinas, as responsáveis pelas tentações das corporalidades varonis. O hijab, véu da vergonha, mais do que um mero trapo ocultador de melenas atiçadoras, é símbolo da subjugação da Mulher e da obrigatoriedade da pureza feminina, enaltecidos numa data nacional iraniana, o 12 de Julho, dia do hijab e da castidade, condição rebaixante a que se vêem obrigadas as Meninas-Mulheres casadoiras cujas famílias recorrem ao certificado de virgindade como prova da sua honra, prática comum que a Organização Mundial de Saúde considera violadora dos Direitos Humanos. A 15 de Agosto, o Presidente Ebrahim Raisi assinou um decreto que incrementa as limitações ao vestuário femi- nino e pune severamente as Mulheres que o transgridam e coloquem conteúdos “anti-hijab” online.
Em Setembro de 2022, Jhina Mahsa Amini, de 22 anos, foi presa pela “Polícia da Moralidade” por usar o hijab de modo inadequado. Foi torturada e espancada, entrou em coma, morreu a 16 de Setembro num hospital de Teerão. As autoridades negam as acusações de homicídio e violência, afirmam que Jhina morreu de causas naturais. O assassinato de Jhina enfureceu os ventos do deserto que sopram a bruteza da indignação, manifestações de protesto ergueram-se por todo o país, o governo retalia com brutalidade, armas de fogo, gás lacrimogéneo, canhões de água, golpes de bastão, as ruas do Irão tingem-se de vermelho, a Morte embebeda-se de sangue, engole duzentas vidas, vinte e três das quais crianças. Mulheres em todo o Mundo queimam os véus da vergonha, cortam os cabelos, mostram-se, despudoradas e intrépidas, nos ecrãs das televisões. Esta semana, numa escola secundária, a “Polícia da Moralidade” exigiu a um grupo de Meninas adolescentes que cantasse o hino nacional enaltecedor de Ayatollah Khomeini, elas recusaram-se, os bastões massacraram-nas numa crueldade animália. Asra Panahi não resistiu aos ferimentos. Tinha dezasseis anos e uma coragem sem idade. As autoridades insistem nas causas naturais da morte, num chocante e desrespeitoso ridículo que não convence o maior dos crédulos.
A secundarização da Mulher, as humilhações e as negações dos Direitos, Liberdades e Garantias, os feminicídios e o amordaçamento das vozes femininas estendem-se por séculos e perduram na primeira metade do século XXI. Numa Europa envelhecida onde engrandece a população muçulmana, única a contribuir para o aumento da taxa de natalidade, numa Europa dita civilizada onde a violência que vitimiza as Mulheres cresce de ano para ano, numa Europa ameaçada pela tirania bélica e machista de uns poderosos inseguros que se replicam pelo Mundo, que Futuro aguarda as Mulheres, as nossas filhas, as nossas netas?
Rasguemos os véus da vergonha. Depois de estracinhados, não continuarão a amortalhar Mulheres.

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