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O que é uma nação?

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O que é uma nação?

Ideias

2025-06-21 às 06h00

Luís Novais Luís Novais

Tem-se falado muito de “nação”, abordando-a como se o conceito não fosse em si mesmo objeto de um profundo estudo e de um intenso debate histórico.
Comecemos por dizer que se trata de uma ideia muito recente, sem qualquer analogia com a idealização de Afonso Henriques a lutar pela sua nação, afinal ele próprio sem origem local, um estrangeiro, meio leonês, meio borgonhês, que veio nascer para estes lados, filho dum imigrante francês com uma não portucalense. Nas brumas da história, os que afirmam a valentia de infanções e monarcas, nem imaginam porquê o bom Afonso decidiu sair das terras nortenhas onde viviam os nobres de pendão e caldeira, mudando-se para Coimbra a reconquistar ombro a ombro com esses cristãos amouriscados, os moçárabes, estranhos aos aristocratas do norte.
Há uma substancial diferença entre a História como ciência e a história como narrativa legitimadora. O problema surge no momento em que os da segunda se consideram detentores da primeira.
Sem entrar noutros antecedentes que nos poderiam levar a uma origem remota no tratado de Westfália, ou a debater fenómenos excêntricos como o judaico, a ideia nasce na burguesia revolucionária setecentista que, não detendo uma legitimidade para opor à do rei, inventa a “nação” como entidade e a constrói à sua imagem e semelhança.

Em simultâneo, os teóricos começavam a interrogar-se e a pensar no que seria isso de “nação”, algo que até aí representava apenas a terra onde cada um nascera, o que não desmente o étimo.
No século XVIII surge a visão legalista francesa, desenvolvida por Emmanuel Sieyès, que a define como um conjunto de pessoas vivendo sob a mesma lei e a mesma representação política. Esta definição é típica de um país como a França, já então com fronteiras políticas definidas, não tendo, por isso, de resolver a questão dos seus limites. Nem língua (e falavam-se muitas na França de então), nem cultura, nem costumes: para Sieyès, tudo se resume à política e ao seguimento do mesmo corpo jurídico.

A esta perspetiva opor-se-á a visão cultural, nascida em finais do século XVIII no espaço alemão, território ainda inexistente como unidade política, apenas parcialmente consolidado como tal em 1870. Para Johann Herder, a “nação” era entendida como uma comunidade de indivíduos ligados por uma cultura comum e pela mesma língua. É neste contexto que germina a ideia da língua como elemento constituinte da identidade nacional. Contudo, tal conceção revela-se hoje anacrónica: meio mundo fala inglês sem por isso formar uma nação única, da mesma forma que a partilha linguística não transforma um angolano num brasileiro, nem um brasileiro num cabo-verdiano.
Estas definições conhecem vários ramos, mas são basicamente as duas fontes que constituíram a ideia de “nação”. A visão cultural tem duas características: primeiro, nasce de uma debilidade, já que foi a ausência de coesão política alemã que levou à necessidade de vincar o fator cultural sobre o da representação. Segundo, foi a fonte de algumas das maiores tragédias do século XX. Misturado com uma inter- pretação errónea do Darwinismo, o nacionalismo cultural caminhou no sentido do racial, terminando no que todos conhecemos.

Daqui resulta que a nação política nasce da autoconfiança de ser, enquanto a cultural surge da vontade de ser sem ser. E é esta origem que lhe gera um complexo de inferioridade, prontamente disfarçado de superioridade.
Tenho para mim a ideia de que Nação é o consenso de lhe pertencer, expresso no seguimento de regras comuns: a lei e nada mais do que a lei. Trata-se de um conceito redondo mas, como dizia Hans Eizensberger, todos os grande conceitos o são.
Daqui resulta que os consensos de ser têm de ser alargados e não podem restringir-se a ideias que lhes cortem as asas: hoje, por exemplo, temos várias nações sem língua própria e várias com línguas diversas. O conceito de cultura existe, mas, se existe, é porque é necessário e não deve ser colonizado por outros. O que une uma “nação” não é uma cultura (tão difícil de consensualizar), não é uma língua, não é uma genética (como se fosse possível), mas uma lei e o consenso de a seguir.

Nestes últimos dias tem-se discutido muito este assunto, a propósito dos discursos do presidente da República e de Lídia Jorge no 10 de junho. Seria bom acrescentar alguma dose de racionalidade ao debate e ter consciência da historicamente recente ideia de “nação” e dos seus limites. Mas, sobretudo, importa lembrar as tragédias a que nos conduziu, quando, numa cadeia diabólica, se misturou com a de cultura e a de cultura com a de “raça”.

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