Correio do Minho

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O que o SARS-COV-2 e a Covid-19 me fizeram! (4)

‘Spoofing’ e a Vulnerabilidade das Comunicações

Voz à Saúde

2021-10-23 às 06h00

Humberto Domingues Humberto Domingues

(Finalização do artigo publicado em 11 e 25 Set e 9 Out.)

Caros Leitores, continuo hoje a escrever para falar de mim. Uma experiência vivida na primeira pessoa-Eu! No exercício de funções fui infectado com o “vírus SARS-CoV-2”, tal como tantos outros Profissionais de Saúde, quer em Portugal, quer no Mundo.
Após a alta hospitalar, no aconchego do lar, o carinho, o afago da esposa, dos filhos e dos meus pais e todos os familiares, nunca faltou. Permanecem na memória várias imagens: Os meus Pais e a minha Esposa, vivendo à distância momentos dolorosos. Apesar da distância física que nos separava, os poucos momentos que foram permitidos à minha Esposa estar fisicamente ao meu lado na cama dos Cuidados Intensivos, foram de num miminho extremo, com aquele doce olhar que poderia ter sido o último, na despedida… até à eternidade... Estes momentos de afago e carinho, quase sem palavras… foram muito bons… mas ao mesmo tempo dolorosos. Com toda a certeza, esta presença, contribuiu para me fazer agarrar à vida.
Ver os meus Pais, estar com os meus Pais com a distância necessária e preventiva e, não os poder abraçar…. As saudades apenas foram saciadas com o olhar, com a voz e a presença ao portão da casa.
Ver os meus Filhos com todo o semblante de tristeza, limitados todos nós na expressão de afecto familiar e privados de abraços, convívio e refeições conjuntas, etc… era tudo muito estranho. Até porque no nosso lar, a minha Esposa (também Profissional de Saúde) estava isolada e em confinamento, por estar infectada. O carinho e amor dos Filhos tiveram uma expressão máxima, porque eram eles que cozinhavam, me ajudavam a tomar banho, faziam a lide e a gestão da casa, devido às limitações, nosso isolamento e incapacidade física para o fazer. O contacto tão desejado com o meu Irmão, Cunhados, Sogros e Sobrinhos resumia-se ao contacto telefónico e pelas novas tecnologias de comunicação.
Tudo muito cruel e distante!
Coisas que hoje voltaram a ter um valor incalculável: Voltar a sentir a partilha e o convívio com a Esposa, o abraço dos Pais, dos Filhos e outros Familiares. Voltar a entrar em casa. Voltar a ver o mar. Voltar a sentir, “saborear” o cheiro do meu quotidiano… Começar a cruzar com os Amigos e conhecidos… Um mundo infindável de coisas!
Depois, dia-a-dia, havia que se trabalhar a recuperação. Comecei logo com fisioterapia e cinesiterapia, que ainda permanece, com várias sessões semanais, o que tem ajudado na recuperação funcional dos pulmões e nas saturações de oxigénio. E ao longo destes já 8 meses, havia que subir degrau a degrau, de um calvário que parece interminável, mas que tem que se enfrentar.
A doença COVID-19 não afecta só os pulmões desencadeando pneumonia. A doença COVID-19 é muito mais “agressiva” e deixa limitações e sequelas, e provavelmente algumas que ainda não conhecemos, que só o tempo e a investigação nos vão desvendar. Outras, infelizmente, já conhecemos e sentimos: Dores músculo-esqueléticas, perturbações psicológicas, neurológicas e psiquiátricas, etc… O doente COVD-19 , na sua fase de recuperação não é só um doente das especialidades de pneumologia e fisiatria, mas sim, de outras especialidades. Foi o padrão do sono que se alterou, e que ainda hoje não está regularizado, e por isso dificulta a vida diária, a concentração e a energia necessária a um sadio dia. O humor, o raciocínio, a memória e a capacidade e velocidade de correlacionar o raciocínio com o verbal, na rapidez e elasticidade que o cérebro possuía. A fadiga permanente!
Hoje já se fala na questão do doente “long covid”. E isso é uma realidade. Não se pode olhar só para este doente na perspectiva e especialidade da pneumologia, mas sim, numa visão holística do doente/paciente. Este doente/paciente vai apresentar queixas e disfunções orgânicas por muito tempo. A Medicina Familiar tem um papel importante e insubstituível no acompanhamento destes doentes. Precisa e continuará a precisar dos cuidados de várias especialidades médicas. Aguardemos os estudos que se estão a fazer e toda a evolução desta doença, com a implicação das novas variantes e a atenuação das complicações graças às vacinas (devo dizer que eu, no início, estava muito cético à vacinação), mas também ao comportamento preventivo de cada um.
Entre outras queixas, sabemos que os doentes que sofreram doença Covid-19, referem:
• Cansaço;
• Dispneia acentuada em caminhar em pisos com declive ou subida de escadas;
• Dispneia ao esforço (pegar em pesos, actividades repetidas);
• Dores articulares e musculares;
• Enjoo e náuseas;
• Perda de visão, que entretanto se vai recuperando alguma coisa;
• Perda de acuidade auditiva;
• Queda acentuada de cabelo;
• Aumento do intervalo interdentário;
• Dificuldade de concentração;
• Raciocínio lento e lenta transição do raciocínio para a oralidade e escrita;
• Etc.
Palavras de gratidão, devo-as a tantos Profissionais de Saúde. A todos os serviços da ULSAM por onde passei, à Medicina do Trabalho que me acompanha mensalmente, com uma simpatia e disponibilidade permanente e sem regatear esforços no pedido de colaboração, consultas e exames de outras especialidades médicas, para a minha recuperação ser plena. Ao Médico e Enfermeiro de Família pelo apoio e disponibilidade sempre presente e manifestada. À terapeuta que ao longo destes já longos meses de recuperação, me tem ajudado com fisioterapia e cinesiterapia nas várias sessões semanais. Têm sido de uma ajuda imprescindível.
Palavras de gratidão também, aos meus Colegas da Unidade e do meu Serviço (todas as Classes Profissionais), que inúmeras vezes, logo após a alta hospitalar, passaram no meu domicílio para se disponibilizarem a tratar-me e a ajudar no que fizesse falta. Nos inúmeros telefonemas que me dedicaram, para saber do meu estado e incentivar na recuperação. Uma preocupação constante!
Às pessoas amigas que ainda hoje, pelas diversas formas, se preocupam com o meu estado de saúde, o meu obrigado.
Numa outra perspectiva, apesar de Profissional de Saúde, mas agora como cidadão doente/utente/paciente, o que vi e vivi? Já numa fase mais recuperada, vi, nesta “minha” ULSAM, Profissionais de Saúde dedicados, esgotados, cansados e com um saber científico, imenso. Uma dedicação extrema aos doentes, conforme o seu estado de saúde/doença. Os serviços superlotados. Uma pressão imensa. A rotura dos serviços era iminente! Mas a dedicação e o profissionalismo era o mesmo.
Temos efectivamente um Serviço Nacional de Saúde vivo, com capacidade de resposta, mas que precisa de ser “acarinhado”, valorizado, potenciado, financiado e reconhecido. E os seus Profissionais, também, não com palmas, mas com valorização remuneratória e de carreiras! Tudo isto leva também a perguntar: Se não tivéssemos um SNS como o que temos, como tinha sido a capacidade de resposta e a capacidade de vacinação que se verificaram?
Um imenso sentimento de gratidão a Todos.
Fim

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