Correio do Minho

Braga, quinta-feira

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O que o SARS-COV-2 e a Covid-19 me fizeram! (3)

Ettore Scola e a ferrovia portuguesa

Voz à Saúde

2021-10-09 às 06h00

Humberto Domingues Humberto Domingues

(Continuação do artigo publicado em 11 e 25/09/2021)

Caros Leitores, continuo hoje a escrever para falar de mim. Uma experiência vivida na primeira pessoa-Eu! No exercício de funções fui infectado com o “vírus SARS-CoV-2, tal como tantos outros Profissionais de Saúde, quer em Portugal, quer no Mundo.
Não posso deixar de falar na minha “passagem” pelo Serviço de Urgência durante este percurso doloroso. Serviço cheio. Admissões permanentes. Grande número de doentes em observação. Profissionais assoberbados de trabalho. Avaliação permanente dos doentes e, gestão difícil, devido à limitação de vagas para internamento em consequência da afluência de Doentes Covid.
Nesta esmerada, competente e presença permanente de Enfermeiros e Médicos na monitorização e cuidar do meu preocupante estado de saúde/doença, chega a decisão clínica, após uma vaga ocorrida na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), para a minha transferência para esta Unidade. Quando se concretizou esta transferência para a UCI, contando com a querida e desejada presença da minha Esposa, um Colega que durante a manha cuidou de mim, fez questão de acompanhar a minha transferência para a nova Unidade e, este acompanhamento, fê-lo, apesar de já ter terminado o seu turno de serviço. Mas apesar disso, não saiu de turno sem antes me deixar na UCI. Só há uma palavra – Gratidão!
Chegou o dia de alta dos Cuidados Intensivos e transferência para os Cuidados Continuados/Intermédios, na Unidade de Covid da medicina 8. Que alegria! Mas o receio de regressão e voltar à UCI estava presente, também. Transferido no leito, com oxigênio ligado e vigilância. Sensação diferente à que vivi, quando da Medicina Crítica da Urgência, fui transferido para a UCI.
A estadia neste serviço (piso 8), onde já tinha estado antes de descer à Urgência e depois aos Intensivos, tinha agora, “outro sabor”. Um passo grande de recuperação, embora ainda, num percurso sinuoso a exigir muita vigilância e cautelas. Estar no leito, mas poder olhar pela janela da enfermaria e perceber o dia e a noite, o nascer do dia e o acaso, poder ver o mar, a entrada e saída de barcos de recreio, de pesca artesanal e mercantes, era uma coisa indiscritível. As gaivotas que nos visitavam e pousavam no parapeito das janelas, pelo exterior. Coisas comuns, que agora tinham um espírito e “sabor” especial.
Coisas pequenas, mas extraordinárias foram acontecendo. A elevação do leito, o levante para o cadeirão, o banho na cadeira de rodas e por fim duche com ida e vinda pelo próprio pé e o tomar as refeições na mesa da enfermaria. Tanta conquista, já, que me emocionava e que me dava forças para lutar e continuar a viver. Mas a debilidade era grande. Muita massa muscular perdida. Algum desequilíbrio. Enjoos. Dificuldade em dormir, com o padrão do sono alterado. As “amigas” dores músculo-esqueléticas sempre presentes.
As refeições eram muito boas, cuidadas e com reforços de suplementos vitamínicos, para colmatar todas as perdas nutricionais que tinham ocorrido.
O momento era delicado. O contacto com os Familiares e exterior, só por via telemóvel ou telefone. Não havia visitas!
Mais um serviço, tal como os anteriores, e Equipas de excelência, onde para além dos cuidados de saúde prestados, a simpatia e afecto humano se faziam sentir. A preocupação para que o conforto e o bem-estar estivessem sempre presentes, era uma constante. Profissionais de fino recorte na excelência no desempenho com elevado conhecimento científico e humanização nos cuidados.
A Equipa de Enfermagem, apesar de desfalcada, estava sempre presente e dava resposta a todas as solicitações dos doentes graves e menos graves. A Equipa Médica respondia a todas as solicitações. Os Assistentes operacionais complementavam todos os cuidados, necessidades e solicitações, dentro das suas competências. Outras especialidades disseram presente e fizeram o acompanhamento: Fisioterapia/Cinesiterapia, Nutrição.
Os dias foram passando. A bateria de exames, análises e gasimetrias eram diárias. Nada podia faltar e não faltava, mesmo!
Se durante o dia se via a azáfama dos Profissionais, particularmente dos Enfermeiros, a tratar dos doentes, altas e admissões, tudo se complicava no turno da tarde e noite com a Equipa mais reduzida, mas uma intensidade de trabalho brutal. Mas o sorriso, a competência, o conhecimento científico, o olhar atento e clínico para o não-verbal dos doentes, era/é uma característica destes heróis, apesar dos semblantes de cansaço, das “olheiras” e de muitos quilómetros nas pernas, durante os turnos.
Há gestos que jamais podemos esquecer. A Enfermeira Gestora deste Serviço, minha Colega da Especialidade, tinha sempre um gesto de muito carinho, um miminho permanente: o envio de um café pós refeição do almoço. E no dia da alta hospitalar, o especial café vinha acompanhado por dois “bolos húngaros”, que a Colega tinha comprado na pastelaria, logo pela manhã, expressamente para mim.
Cá fora as preocupações com o meu estado de saúde eram muitas. Os Colegas da minha Unidade de Saúde, das diferentes classes profissionais, disseram sempre presente. Os meus Colegas, uns ainda no activo, outros já jubilados, de outra Unidade, com quem trabalhei e trabalho, fizeram uma corrente de fé, orações e de energia positiva, por mim. Muitas e muitas pessoas telefonaram à minha Esposa, aos meus Pais, a inteirarem-se do meu estado de saúde. A TODOS, estou-lhes muito grato. Não posso esquecer ninguém!
No dia da alta hospitalar, ver o meu filho mais velho na portaria do hospital para me trazer para casa, foi uma sensação indiscritível. Voltar a ver aqueles olhos de diamante, com a cor do doce mel, foi fabuloso. Voltar a ver os meus Pais, embora à distância, prevenindo riscos desnecessários, ver a minha casa e sentir o abraço dos meus Filhos e Esposa, foi/é extraordinário e difícil de explicar. Ainda hoje o é! Muita emoção junta, muitas sensações únicas! Fazer o trajecto de regresso a casa, olhando e sentindo o mar, voltar a “viver o meu espaço”, não é traduzível em palavras!

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