Correio do Minho

Braga,

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O que o SARS-COV-2 e a Covid-19 me fizeram! (1)

As emoções no outono

Ideias

2021-09-11 às 06h00

Humberto Domingues Humberto Domingues

Caros Leitores, hoje escrevo para falar de mim. Uma experiência vivida na primeira pessoa-Eu!
No exercício de funções fui infectado com o vírus SARS-CoV-2, tal como tantos outros Profissionais de Saúde, quer em Portugal, quer no Mundo.
Após uma noite mal dormida e com sintomas do gênero de uma gripe forte, fiz o teste nesse mesmo dia e no dia seguinte tinha o resultado confirmado: “positivo para SARS-CoV-2”. Recolhimento ao domicílio e vigilância sobre os sintomas e estado de saúde.
Passados dois dias, recorro à urgência para reavaliação face a ligeiras queixas, não de “falta de ar” (dispneia), mas aumento da temperatura corporal. Feito RX torax e gasimetria arterial, os resultados apresentaram-se “normais” e portanto, sem razões para internamento, mas a necessária vigilância.
Seguiram-se 4 dias sem melhoras nenhumas, noites mal dormidas, uma actividade cerebral enorme e a temperatura corporal na ordem dos 38 a 39º, embora sem queixas de dispneia. Perante este estado de coisas, recorro ao S.U. de onde já não saí, ficando internado. O percurso depois foi demorado e doloroso, com passagem por vários serviços – Medicina critica, Cuidados Intensivos, Cuidados Continuados e finalmente, ao fim de 3 semanas, alta hospitalar.
A experiência mais assustadora:
Numa das noites nos Cuidados Intensivos “senti que ia partir desta vida terrena”, que ia morrer! Uma experiência horrenda! Uma personagem só com a face em caveira e o frontal do crânio, com uma cabeleira enorme e preta para trás, com um vestido negro, estende-me o braço direito, só em ossos, e com a ossada da mão direita, chama-me para junto dela, à entrada de um túnel negro, muito escuro e longo, com figuras também horrendas, bizarras e assustadoras, que esvoaçavam e outras estavam fixas nas paredes. As investidas eram grandes, e eu a tentar defender-me! Depois de muita resistência da minha parte, numa luta esgotante, e muita insistência da “personagem aterradora” que me queria levar, esta atira-me pequenos panfletos em forma rectangular de cor violeta escura, brilhante. Assustador! Terrorífico! Nunca antes vivido. Depois afasta-se de mim, numa atitude e “sorriso” de escárnio, menosprezo, assustador e ameaçador. Imagem horrenda!
Houve dias de dolorosas experiências…Durante esta luta e resistência, só me lembrava que ainda era novo para partir, ia deixar as pessoas que mais amo para sempre – a minha Esposa, os meus Filhos, os meus Pais e o meu Irmão. Muitos Colegas estiveram presentes nestes pensamentos de despedida e de angústia. Tinha ainda tanto para viver e merecia viver mais!
Os dias vividos nos Cuidados Intensivos, com os pulmões bastante infectados, com saturações de oxigénio muito baixas foram muito dolorosos. A incerteza de melhoras pairava... Vivi grande parte destes dias com a máscara de oxigénio em ventilação não invasiva permanentemente colocada, sempre muito bem apertada e ajustada à cabeça e à face com “tiras elásticas” para evitar fugas e perdas de O2 e assegurar uma ventilação eficaz e mais altas saturações de oxigénio, Ao fim de pouco tempo, torna-se incômoda e até dolorosa. Foi algo difícil de suportar. Após vários dias de uso desta mâscara, houve zonas da face que ficaram magoadas pelo apoio e aperto que suportaram, apesar da colocação de materiais de protecção e prevenção de feridas. Foram vários dias de permanência no leito, que cada vez se foram tornando mais dolorosos e desconfortáveis, em qualquer decúbito, apesar dos cuidados que me foram prestados de prevenção de escaras. A mobilização na cama era dolorosa. Dores articulares e musculares, astenia… perda de muita massa muscular, falta de ânimo… Os levantes do leito para o cadeirão, começaram por ser tímidos devido à falta de ar (dispneia) com os movimentos, mas também toda a funcionalidade musculo-esquelética estava debilitada, comprometida e por isso, não funcional. O medo de não mais recuperar… a impossibilidade de andar a pé, pelo próprio pé, estava muito presente. Associado a tudo isto, a incapacidade para a higiene pessoal diária, de forma autónoma. O padrão de sono alterado. No início, custa ouvir todos aqueles “pis pis” das máquinas que nos monitorizam. Depois habituamo-nos. Quando acontece o primeiro banho de corpo inteiro no duche, pelo próprio pé, apesar de vigiado para prevenção de quedas… uma grande conquista! Qual pudor, qual pensamento... constrangimento... algum... mas vamo-nos habituando, também.
Nesta difícil e horrenda experiência, o MEDO, algo impessoal, invisível, abstrato, mas que marcou presença e que se fez sentir e me fez perceber a sua dimensão nociva e aterradora, nas suas variadas formas, obriga-nos a pensar muito e a temer sempre o pior! A minha Família esteve sempre presente nos meus pensamentos. Fisicamente não era possível estarem comigo. Apenas a minha esposa pode estar, numa fugaz visita, (num momento para se despedir de mim até à eternidade) e por ser Técnica Superior de Saúde na Instituição Hospitalar. Tive muito, muito medo de morrer. Sim tive! E mais medo de morrer, ainda, sem ter a oportunidade de me despedir de ninguém… de quem mais amo…
Mas… a vida deu-me uma segunda oportunidade. Para além dos saberes da ciência e da medicina, uma força maior e divina esteve ao meu lado, com certeza, que me manteve vivo! Eu acredito nesta força divina!
No dia da alta hospitalar, ver o meu filho mais velho na portaria do hospital para me trazer para casa, foi uma sensação indiscritível. Voltar a ver os meus Pais, a minha casa e sentir o abraço dos meus Filhos e Esposa, foi/é extraordinário e difícil de explicar. Ainda hoje o é!
Pensei muito, muito na minha Família. Pensei muito na minha Avó já falecida, que foi uma estrelinha que também me protegeu. Pensei em Deus, na Srª. de Fátima e em S. Pedro de Varais (Santo da minha Freguesia). Acredito que houve uma força maior, algo divino, que me protegeu.


P.S. – Uma palavra de agradecimento ao Sr. Director, Dr. Paulo Monteiro, do Jornal “Correio do Minho”, que manteve a sua disponibilidade para retomar a colaboração e publicação das minhas crónicas, interrompidas desde Janeiro/2021, devido à Covid-19.

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