Fala-me de Amor
Ideias
2023-03-22 às 06h00
Pensemos no João, um bracarense casado com 1 filho. O emprego dele … é o que cada um de nós quisermos que seja, não sendo relevante para esta pequena partilha.
O João trabalhava há muitos anos na mesma empresa pois para ele emprego era algo para a vida, como os pais lhe tinham dito. Lembrava-se que o pai tinha trabalhado quase 45 anos na Escola Alberto Sampaio e esse era o exemplo dele.
Mas um dia o João recebeu uma proposta que lhe deu completamente “a volta à cabeça”. Não disse nada em casa e foi a uma entrevista, a sua 2ª entrevista na vida. Quando lhe fizeram a proposta, a cabeça dele ficou a andar à roda … propuseram-lhe 1.865€ por mês + Subsidio de Alimentação de 8,32€/dia. Quase o dobro do que ganhava. Pensou, decidiu e chegou a casa com a sensação que tinha entrado no lote dos portugueses mais privilegiados. Falou com a mulher e como pessoas cautelosas e prudentes que eram, começaram a fazer contas.
Partiram dos 1.865€ brutos por mês e rapidamente concluíram que com os 11% de Taxa Social Única e com os 19,3% de IRS (caramba, o João tem de compreender que ao entrar num lote de privilegiados – ironia minha, note-se - será normal que quase 1/5 do salário desapareça imediatamente como … Imposto sobre o rendimento) o João levaria para casa 1.300€, o que sendo uma redução brutal continuaria a representar um salário fantástico para o João. Cumulativamente, passaria o seu Subsidio de Alimentação de 5€/dia para 8,32€/dia o que implicaria uma verba total de 1.475€ em 11 dos meses do ano. Pela primeira vez na vida, aos 46 anos, o João sentia que a vida (financeiramente) lhe sorria.
Neste momento a “contenda” era claramente favorável ao João pois do bolo inicial de 1.865€, o João ficava com 1.300€ (+175€ de Subsidio de Alimentação, nos meses uteis) e o estado com 565€. E eis então que a Paula, que nunca tinha sonhado que ela e o marido viriam a pertencer à casta de privilegiados com IRS a 20%, referiu de forma abrupta … “ essa empresa deve ser fantástica, pois o custo que vais representar para a empresa é absolutamente gigantesco”.
Façamos então as contas:
- aos 1.865€ brutos acrescentemos 23,75% de Segurança Social da parte da empresa e chegamos a um custo mensal de 2.308€;
- anualizemos esse custo a 14 meses e obtemos um valor de 32.311€;
- sobre o custo de 32.311€ em que a empresa incorre, o João recebe 1.300€ a 14 meses ou seja, 18.200€.
E é este o momento em que o João, a Paula e todas as pessoas que não lidam com isto todos os dias, percebem a brutal dificuldade que as empresas têm em aceitar esta realidade: num salário de 1.300€/mês, em que o colaborador “leva para casa” 18.200€ num ano, o estado “leva para casa” 14.111€, ou seja cerca de 44% do custo da empresa é entregue ao estado.
Dir-me-ão: mas então defende a noção neo liberal de impostos mínimos sobre o trabalho? E então não acha que o nível de impostos sobre o trabalho é muito baixo, se compararmos com os países do Centro e Norte da Europa, onde se chega a ter quase 60% de impostos sobre o trabalho? Não e não !
Claro que tem de haver impostos sobre o trabalho e claro que reconheço que há países em que a carga fiscal é maior. Nem sequer vou rebater isto com os serviços públicos que temos e a sua evidente perda de qualidade. Não vou, é algo em que não entro, pois essa comparação é altamente viciada. Limito-me apenas a olhar para a realidade da 3ª Idade em Portugal em comparação com alguns dos países com cargas fiscais bem maiores pois esta é uma realidade que conheço bem. Descontar muito sobre salários baixos em Portugal dá, no final de vida, reformas miseráveis, indigentes, vergonhosas, que asseguram na maioria dos casos um final de vida penoso, muitas vezes humilhante. E é aqui que estamos a anos-luz dos países europeus com maiores cargas fiscais, pois a esmagadora maioria desses países permite uma vida digna aos seus “ex-trabalhadores”, com diferenças mínimas entre o que era a sua vida durante e após a sua actividade profissional. Ninguém com certeza reprovaria o nível de fiscalidade que temos e os empresários assumiriam os custos acima de bom grado se percepcionassem que os colaboradores de hoje serão idosos dignos amanhã, com reformas compensadoras e que lhes permitam encarar sem preocupações o ciclo final da vida.
Agora, olhar para o que é oferecido na reforma aos portugueses e pensar que o milionário que recebe 1.300€ líquidos por mês custa à sua empresa 32.311€ por ano… é algo que custa muito a aceitar e seria bom que quando se discutem salários as partes não se esqueçam deste split: a empresa assume um custo e o seu colaborador recebe pouco mais de metade e o colaborador silencioso e não produtivo (o estado) recebe quase outro tanto.
Singularidades de um país à beira mar plantado.
Não posso terminar sem esta nota: Ana, Bernardo, Carlos, Francisca, Eugénio, Joana, Miguel, Paulo, Sérgio, Susana … qualquer um destes nomes pode ser o nome do meu filho, da vossa filha. E agora pensemos que o nosso vizinho de fronteira decide invadir-nos e “requisitar” milhares de filhos nossos, arrancando-os dos nossos braços de mães e pais! Apenas porque sim, apenas pelo facto do nosso vizinho ter respeito zero pela vida humana. Folclórica ou não, saúdo vivamente a decisão do Tribunal Penal Internacional e espero viver o suficiente para ver o torcionário russo e os seus sequazes pagarem da forma devida o seu desprezo pela vida humana, pela inocência de crianças e jovens que apenas estavam no local errado (?) no período errado. Ouvir forças politicas portuguesas criticar directa ou sub-liminarmente esta decisão do TPI invocando que cidadãos dos EUA também cometeram crimes de guerra em vários conflitos, apenas apouca aos meus olhos quem não tem coragem de assumir publicamente que apoia um torcionário desprezível e abjecto.
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